quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Crónica de um nascimento.

De todas as alminhas que poderiam fazer o relato do nascimento a esta tia exilada, calhou logo de ser o meu pai, recém estreado Avó a assumir essa tarefa. O diálogo que se segue é da exclusiva responsabilidade dos intervenientes, sendo que um deles estava nitidamente embriagado de adrenalina e emoções várias!
- Então, Pai, conta-me tudo.
- Bem, a mana estava com aquela anestesia. Como é que vós a chamais?
- Epidural?
- Isso. Estava com isso. E até lhe puseram aquele paninho à frente, sabes como é que, para ela não ver nada. Só que quando começaram a cesariana começou a ter dores e mesmo com o paninho à frente a tapar era como se estivesse a ver tudo porque eles falavam a dizer o que estavam a fazer. Por isso tiveram de lhe dar uma das outras. Como é que vós a chamais?
- Anestesia geral? Foi isso?
- Pois. Dessas. Portanto apagaram-na. Depois a bebé nasceu. E os bebés ficam sempre com as mães e as mães com os bebés. Mas como a mana estava com a geral, teve de ser o T. a ficar com ela. Com a bebé. Enquanto a mana estava lá a fazer as coisas dela.
- Sim, estou a entender. A acabar de assar a perna de peru que tinha deixado no forno e a retocar as pestanas.
- Qual perna de peru?
- Nenhuma pai. Vá segue. E depois?
- O teu cunhado até transpirava. Duas horas nisto. Ora, num braço a bebé com 3,500kg. Tem uns bracinhos muito gordinhos!! Pois, num braço a bebé e no outro o tá-be-lé-te. Porque lhe pôs uma... como é que se diz? Uma musiquinha... Como é que vós a chamais?
- Sei lá que música lhe pôs!!!
- 'Atão... assim uma musiquinha ambiente ou lá como é para a bebé se acalmar, porque era a música que ouvia enquanto ainda estava na barriga. Que os bebés ficam sempre com as mães mas a nossa ficou com o T. até a mana acordar. Por isso ele nem podia mandar mensagens. Porque a bebé pesa e o tá-be-lé-te no outro braço... Só mandava mensagens assim a apalpar o telemóvel, tudo até com erros.
- Ah, estou a entender...
- Depois nós vimos a bebé. Tem o nosso nariz! Com aquele tracinho. E cabelo escuro e engrovinhado.
- Tem o quê??
- O cabelo assim a ficar com ondas. Que o T. tem muitos caracóis e parece que vai ser como ele. É muito, muito, muito, mesmo muito bonita.
- Pai, menos, sim?!
- Mas é mesmo muito bonita. É muito fofinha a garota! Tem uns bracinhos muito gordinhos.
- E fotos? Porque é que ninguém me manda fotos?
- Ai, eu tirei muitas e a tua mãe também. Mas eu assim não sei mandar. Tenho de ir ver primeiro as instruções que a C. me ensinou para ver como se faz. A mãe já te manda. [Estou desde ontem a receber mensagens em branco enviadas pelos meus pais.]
- E a mana?
- Ah, a mana veio depois, já acordada, depois de lá fazerem as coisas dela [a tal perna de peru e tal] e deixaram-na ficar com a bebé lá em cima dela.
- Em cima dela?
- Sim, 'atão?! Se não ficou com ela logo quando nasceu, deixaram-na ficar depois. E agora fala aqui com a tua mãe que eu ainda tenho de ir a conduzir até casa e já é tarde. Hoje já não durmo as 12 horas como é hábito.

Conclusão: doravante tenho de viver com o facto de o meu pai usar e abusar e reabusar do superlativo e do diminutivo. O linguajar familiar nunca mais será o mesmo!

Outras reacções ao feliz acontecimento [porque cada um tem a família que merece]:
Primo R. - Boa! Já sou tio!! [Este miúdo sempre teve um problema com a designação da hierarquia familiar.]
Prima C. - É um dia histórico para a família... Acabaram-se os privilégios: deixei de ser a mais nova! frown emoticon
Primo M. - Quando é que nasce a miúda, mesmo? Está para breve?
Amigas R. e T.: [Gritos ao telemóvel. E eu fiquei surda uns cinco minutinhos.]

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Benedita



No nosso peito bate para sempre mais um coração.

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Minha rica caminha!

Trinta e três longos anos foi o que tempo que demorei a perceber que não tenho mau feitio. Lamento desiludir-vos, mas temos andado completamente equivocados no que a esse particular diz respeito. Acontece apenas ficar rabuja quando durmo pouco ou mal. A cabeça não funciona. O corpo não responde. A irritação começa a aflorar. Não é bonito de se ver, eu sei!

Quando era adolescente acontecia ficar a ler ou a ver TV até de madrugada. Fazia directas e ficava na mesma. Para o meu cérebro era como se nada fosse: tudo parecia funcionar sem grandes problemas. Menos o mau génio com que acordava e que, não raras vezes, se agudizava pelo dia afora. [A E. que o diga, pobrezinha.] Com o passar dos anos, sobretudo com a prática mais frequente de exercício físico, comecei a notar que quanto melhor dormia com mais energia acordava e, consequentemente, mais bem disposta também. O exercício físico funciona como causa e consequência. Cansada durmo melhor e, por conseguinte, acordo com mais energia para fazer mais coisas, incluindo massacrar o corpinho.

Pessoas: andamos a sobrevalorizar o sexo e a comida. Sim, sim, um bom regabofe conjugal faz com que se libertem aquelas tretas todas hormonais, deixa-nos nas nuvens, sendo que ainda trata a pele, dizem. A comidinha pode servir de conforto e conheço muito boa gente (incluindo eu) que com fome fica intratável. Mas não há nada que se compare a uma noite de sono bem dormida, à disposição de conquistar o mundo com que se acorda, à energia renovada logo pela fresca. É se a isso podermos juntar um acordar tranquilo, sem correrias, com tempo para saborear o novo dia, tanto melhor. Tenho em casa o melhor exemplo disso. Conta as horas que dorme e nada lhe dá mais prazer do que saber que pode estar muito tempo na cama. Madruga. Faz tudo com tempo, sem pressas. Sempre a assobiar pela casa. Tem uma energia insuportável e não pára quieto. O meu pai adora dormir e não é à toa que tem aquele ar bem conservado e é um "bicho-carpinteiro", sempre a bulir. A mim falta-me a parte da disciplina, o dormir aquele número de horas indispensável à boa disposição. Mas começo a ter mais rotinas e com tempo chego lá. Já tenho menos nódoas negras de andar à paulada nos móveis completamente esgazeada com sono logo de manhã, e quando durmo bem  acordo bem disposta e cheia de energia, pronta para atacar o dia logo cedo. Estou numa relação amorosa com a minha cama e completamente apaixonada pelos meus tampões, sem os quais já não imagino a minha vida!




quinta-feira, 29 de outubro de 2015

"morreu-Me"

Caem as primeiras chuvas e a terra, sequiosa, absorve ávida as gotas gordas. O dia amanhece a fumegar: vapores que sobem do chão e que lembram paragens tropicais. É a vida que se renova, o solo em breve atapetado de verde. Cheira a terra molhada e isso sempre me acalma a neura da manhã inteira desperdiçada a tratar das papeladas no Banco. Estou perdida nesta imagem quando Ele se senta ao meu lado na paragem do autocarro. "Doem-me as pernas." Levanto os olhos do chão para o ver e respondo que é bom sinal, é porque ainda as vai usando e há tanta gente que mal se mexe." Atira-me com um: "olhe que também sempre me saiu uma amiga da onça." Pede desculpa pela familiaridade mas já que estamos de conversa... "Morreu-me a minha querida esposa, a minha maior riqueza." Fiquei parada no "morreu-Me", que assim conjugado aumenta logo o amor e amplifica a perda. "Gostava tanto de ir ter com ela!", diz-me, prolongando as palavras, como se fizesse um pedido. "Carrego este castigo, sabe?" "As pernas?", pergunto, e logo me arrependo porque soa a trocista. "Não menina. O arrependimento de ter prolongado a agonia dela. Nove anos a gemer de dores, sem falar. O maldito Alzheimer! Que justiça há neste mundo quando uma médica me diz que não é bruxa para adivinhar o que lhe doía? Claro que todo o esqueleto lhe devia doer, coitadinha. E ela sem poder explicar." Noto-lhe os olhos a humedecerem-se. "Em pleno século XX não serem capazes de mitigar estas dores. Não há direito! E eu devia ter acabado com aquilo. Vou tratar do testamento vital - já ouviu falar disso, a menina? - para quando chegar a minha vez. Não quero que me prolonguem a vida de maneira nenhuma artificial." Não sei que dizer. Balbucio um "entendo" que não quer dizer coisa nenhuma a não ser que o estou a ouvir. Que sei eu desse desvelo contínuo, dessa impotência de nada poder fazer? Por fim, rompo o silêncio a atrevo-me a sugerir que se agarre à vida pelos que gostam dele: tem os filhos e os netos. "Todos com a vida feita. E eu com este peso que carrego." Suspira: "A minha querida esposa!" Cheira-me a velho. Não a velho de idade, mas à vida gasta. Aos fiapos da vida que lhe restam e que resistem à dor e à perda. Toco-lhe na mão e digo-lhe que ainda tem com certeza muito para viver e que me parece muito bem e cheio de saúde. Chega o autocarro. Faço um gesto a indicar que passe primeiro do que eu. "Oh, eu não vou de autocarro. Parei só para descansar das pernas e para falar um bocadinho consigo. Obrigada menina. Deus lhe dê saúde, menina. E estime-a." Sento-me à janela e vejo-o seguir pela rua, devagar. A arrastar as pernas que lhe doem, carregando nos ombros vergados o peso das saudades da mulher. O sol abriu entretanto e o céu é de um azul primaveril. O ciclo continua: é a vida que se renova. Sorrio, presa à enormidade daquele "-Me", que assim pronunciado disse o que ele deixou por dizer sobre esse Amor que lhe era e continua a ser tudo. Afinal não é isso que nos agarra à vida?

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

#vouserumavelhagaiteira

Se há dois anos atrás me dissessem que um dia iria acordar de manhã cedo ou acabar o dia bem tarde para fazer exercício haveria de me rir a bandeiras despregadas. Se nessa mesma altura me houvessem dito que um dia haveria de chegar a casa, desejosa de cozinhar coisinhas boas de que gosto, nem me daria ao trabalho de responder a tamanho disparate. Mas a vida e o mundo dão muitas voltas. E, como todas as paixões que nos apanham desprevenidas, que chegam quando menos esperamos, esta acabou por se instalar de mansinho e por se tornar numa forma de vida.
Andar de bicicleta levou-me a sítios onde provavelmente não teria ido de outra forma. Andar de bicicleta trouxe-me pessoas que provavelmente não teria conhecido noutros contextos. Andar de bicicleta mudou a minha forma de estar na vida. Trouxe-me a paciência necessária porque percebo que os resultados (por mínimos que sejam demoram a chegar). Trouxe-me um entendimento de mim que não tinha antes: a vontade de ir, fazer, arriscar. Trouxe-me contenção: nas palavras, nos actos, no deitar da toalha ao chão.
Não pedalo tanto quanto deveria. Não pedalo tanto quanto gostaria. Ainda estou a trabalhar a faceta psicológica que sustenta - mais do que a física! - qualquer coisa que façamos. E é também aí que me tenho deparado com as maiores dificuldades e com progressos muito menos palpáveis. Demoramos a conseguir mudar hábitos que fomos acumulando ao longo da vida, como tralhas que nos pesam. Estou a batalhar contra a vontade de parar quando me canso ou quando as coisas correm menos bem. E consigo fazer a cada dia mais um bocadinho. Cada km a mais é mais uma pequena vitória. Demora!, mas chego lá. Um dia chego lá. Que mais não seja porque me comprometi com o E. a acompanhá-lo num aventura e agora que remédio tenho senão ir. Não prometo acabar. Mas tentarei.

Queixam-se os que me rodeiam que de aficionada passei a viciada. Não! Nem pouco mais ou menos. A mania de querer contagiar os outros é tão somente a vontade de repartir as alegrias que nos chegam com alguma coisa de que gostamos tanto e nos faz tão bem.