quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Oh Elsaaa!!!

Disseste-me ali, entre uma pedalada e outra - sei exactamente onde: havia raízes por todo o lado e subíamos com esforço - que estavas a pensar tatuar-te. "Resiliência" era o que deverias escrever a tinta na tua pele. Para te lembrares de todos os dias em que foste buscar forças dentro de ti e a tua mente comandou um corpo que teima em te limitar. Não os sonhos! Esses nada nem ninguém tos limita. Não pedes muito. Apenas mais força e resistência para continuares a vencer esta luta desigual.
Resiliente é o que tens sido nas noites de insónia e de dor. Nas manhãs passadas a pedalar cheia de dores. Nos dias em que te mexes apenas com o poder da mente porque todas as articulações parecem doer-te ao mínimo gesto.
Aprendeste a contornar a tua circunstância. Confessas-me que há dias de desespero, em que choras de dor e de raiva. Raiva por estares presa a um corpo que não funciona como deveria. Admites a desesperança, a depressão e a impotência. No dia seguinte estás lá, à hora combinada, como se nada fosse, como se não te doessem todos os ossos do corpo. Sem desculpas. Resiliência és tu! E por isso vamos tendo dias felizes. Dias bons, em que custa menos, em que dói menos. Dias em que embora o difícil não se torne fácil tu consegues que seja exequível.
Resiliente. Profissionalmente. Pessoalmente. Desportivamente. Ensinas-me todos os dias que não há nada que não consigamos fazer, que não há limitações para além das que nós criamos na nossa mente. Podemos ter de fazer as coisas de maneira diferente, com ritmos próprios. Podemos nem sempre arriscar tudo mas sabemos que damos o nosso melhor.
Às vezes penso em ti, em como estarás hoje e tenho pena. Não de ti. Mas da tua circunstância. E depois vejo-te enquanto te esgueiras a alta velocidade por entre as árvores. Avalio a tua cara de sofrimento quando acabamos de subir e sinto orgulho de ti e dessa força imensa que te move e que se chama Vontade. Contemplo o teu sorriso no final das descidas e sei, porque o sinto, que te divertiste  e foste feliz. Não importa se foram apenas instantes.
Resiliente também por me aturares. Por te juntares ao coro de queixumes e lamúrias incessantes com que vamos chagando o nosso M. Por já me teres percebido e saberes que em dias de neura é deixá-la ir e não dizer nada.
Dizes-me que não tens a minha força de vontade, que não consegues fazer sozinha, que não tens motivação. Saberás tu, E.L., que a verdadeira inspiração dos que te rodeiam és tu, resiliência em estado puro, mulher coragem, destemida e valente? Outras haverá com mais títulos e medalhas a provarem-no. A ti bastam-te os amigos e as pessoas que te querem bem e que hoje, neste dia especial, comemoram contigo mais um ano; comemoram, como eu, o ter-te na minha vida, já tatuada num cantinho especial onde moram os que fazem parte de mim. Parabéns L. Amo você!
 
 

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

MMXIV

   
    
     MMXIV
     Foi tempo para celebrar a Vida!
 
     Houve dias sem Futuro.
Dias de sombra. Dias em que o frio que se sentia lá fora era menos gélido do que o arrepio que nos tolhia os sentidos. Dias de queda vertiginosa no precipício da dúvida e do medo. ...
     Houve dias de Esperança renovada.
Dias pautados pelo calor dos abraços. E dos sorrisos. E da partilha. E da cumplicidade. E da alegria. E da união.
     Houve dias em que correram Lágrimas.
Lágrimas azedas de tristeza e dor. Lágrimas doces de alívio e de gratidão.
     Houve dias em que pareceu imPossível.
Dias em que não apeteceu continuar. Dias em que carregámos às costas o peso nada insustentável do mundo e do nosso ser.
     Houve dias de Superação.
Dias para aprender lições. Dias para nos conhecermos no limite. Dias de entrega. Dias de quedas. Dias para nos reerguermos. Dias de conquistas.
     Houve dias para reEncontros. Dias para parar, respirar e sentir. Dias em que magoámos e fomos magoados. Dias para nos deixarmos invadir pela serenidade. Dias em que voltámos a acreditar.
     
...
     MMXV
     365 dias para Sermos.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Bem-vindo seja quem vem por bem.

Assim que transpomos a porta, ali onde o chão de cimento termina, a madeira range sob os nossos pés. No Verão sentas-te junto à janela para aproveitar a luz natural enquanto cerzes umas meias ou pregas um botão. Já vês mal e, apesar de não sabemos como, ainda és tu que enfias a agulha. Atrapalham-te os dedos mais que os olhos. Os ossos a deformarem-se. Se for Inverno vou encontrar-te sentada à lareira, senhora e dona do lume, das panelas e da vida da cozinha. Ao destapá-las há sempre alguma coisa de que gostamos: batatas de caldeirada com bacalhau, fígado guisado, arroz de feijão. No armário atrás de ti sei que nunca se acabam as batatas panadas em ovo e salsa. E papas de arolo sobre as quais eu gostava de espalhar uma camada de açúcar. Em minha casa também há batatas cozidas. E azeite. E azeitonas. Então porque é que não sabem ao que sabiam as que tu torravas e regavas com um fio de azeite da almotolia? No Verão quente da minha infância, de um calor que já não há, refrescavas-nos as tardes com Brasa muito doce. Ou groselha caseira, espremida das bagas que apanhávamos nas Barrocas. Vejo-te sentada sobre as pernas ao fundo das escadas, quase na rua, de ciranda a baloiçar-te nos dedos enquanto peneiras o grão. O pó das vagens empregna-se-te na pele, acentua-te a tosse seca. Pareces-me mais velha e pequenina quando te lembro assim. Quando as tuas forças já eram apenas uma réstia e continuavas a viver apenas movida a Amor. Um corpo frágil a albergar um coração tão grande. Ontem, por ironias do destino, havia mais um lugar à mesa porque alguém se enganou a contar os comensais. E também no sofá onde te aninhávamos à lareira. Não nos nossos corações onde o teu lugar jamais será ocupado. Ontem fizeste-me uma falta terrível. Tu que entendias tão bem as minhas fúrias e os meus silêncios. Haverias de me chamar baixo e perguntar o que tinha. E haverias de ficar, como eu, de olhos rasos. Temias a mudança, como eu, mas nem por isso deixaste alguma vez de nos empurrar para fora do ninho. Hoje, num dia que pode ser o primeiro de tantos de uma outra vida, olha por nós Avó. 

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Vi eu com estes dois olhinhos! #13


Não fosse dar-se o caso de cair um nevão e tal ou de uma pessoa se distrair e perder-se no meio do nevoeiro, zimbas, o melhor é ataviar o pai e a cria de fluorescente! Depois admiram-se que eu circule de óculos de sol nas superfícies comerciais.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Vi eu com estes dois olhinhos! #12


Alguém sabe onde posso comprar igual? Estou precisada de mudar. Só tenho collants pretos e vai-se a ver o que está a dar é o estampado!
 

* J.P., com as retinas doridas e a alma em fanicos ainda conseguiu sacar do tlm para registar o momento.

sábado, 13 de dezembro de 2014

Dicionarizar #10



* Com o alto patrocínio do P.P.M., um fiel seguidor, cá dos nossos, que descobriu este atentado!

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Amamentar é como usar leggings: não é para serem usadas por todas nem em todo o lado!

Não é sempre, mas de quando em vez, mormente quando o calorzinho assim o pede, somos meninos para depois de uma passeata de BTT alapar no sítio do costume, a lambuzar-nos com umas certas tostas que são divinais. Ataviados de lycra e empoeirados ou enlameados (consoante a estação do ano) sentamo-nos na esplanada. Comemos, bebemos, conversamos, convivemos. Nas mesas ao lado outros grupos fazem o mesmo. Calhou que num destes dias a mesa do lado foi ocupada por uma família e um par de amigos da dita. A senhora que hoje aqui me traz botava um corpinho jeitoso. Só por si isso atiça-me logo a má língua. [Sim, sou uma verrinosa e desculpar-me-eis, mas falar mal todos falamos, ao menos eu tenho o bom senso de o fazer de forma discreta e nada ofensiva, creio]. Vai que a dita senhora decide que bem bem é começar a dieta no ano que vem e nos entretantos ir avolumando com uns gelados. Até aqui tudo ok. Cada um sabe de si e o Serviço Nacional de Saúde saberá de todos. Acresce que a referida senhora, do nada, saca da mama direita (para que vejais como me marcou a cena até esses pormenores decorei), deita o seu mais-novo e vai de lhe dar de mamar ali. A peitaça da senhora era assim um encontro entre a da Kim Kardashian e a da Pamela Anderson: um tamanho de alto lá com ela que até eu fiquei de olho à banda, quanto mais os moços que me acompanhavam. Pasmámos de imediato. Na esplanada. Enquanto se lambuzava (uso o verbo com toda a propriedade porque comia mesmo sem maneiras) com o gelado, a senhora amamentou o seu filhote. A páginas tantas a criança já não comia, brincava com a mama, choramingava, e a senhora ali, toda contente, com o peito de fora continuava a comer o seu gelado e a gargalhar alto. Fomos, dirão alguns, uns tolinhos: amamentar é um acto natural que não deve suscitar qualquer admiração. E se assim é onde reside aqui o insólito ou o estranho, o correcto ou incorrecto da situação? Pois que eu acho bem: se a Mulher quer amamentar e pode, faça-o à sua real vontade. Mas vamos lá ver: há situações e situações e há locais e locais. E, sobretudo, há formas e formas de o fazer.
 
Neste momento o mundo blogosférico está em guerra. Esta fofucha, que até tem piada e tudo, cometeu  o "erro" de criticar a malta que decide alimentar em público os seus filhos sem recato algum. E foi um vai-que-te-avias, de mães de varapau em mão, a atacar a moça, argumentando que é um acto natural e que não vêem qual o mal de o fazer em público, e que as pessoa se ofendem com pouco, e que é uma falta de respeito pedir que as pessoas se tapem enquanto o fazem. Vamos lá ver aqui uma coisa: aqueloutra senhora de que vos falo ali em cima teve, certamente, uma postura bem diferente da que deu origem ao post da Leididi e ao meu e a outros tantos. "Hotel obriga mãe a tapar-se com um pano para amamentar bebé" Nas fotos podemos ver a senhora, numa postura bastante mais recatada do que a da esplanada, que insistia em ter aquele mamaçal todo exposto, sem cuidado algum. Estão ambas no seu direito, tal como o Hotel. Mais uma vez não se peca tanto pelo conteúdo e muito mais pela forma.
 
Sumariamente: não tenho nada contra mães, menos ainda contra mães amamentadeiras. Mas a modos que nestas coisas acho que não custa usar o bom senso, perceber os contextos e, embora o ar seja de todos e cada um faça o que quer, procurar respeitar os outros. Por mim aplicamos a regra das leggings: existem, podem ser usadas, mas não é por todas nem em todo o lado. Qual é a necessidade de me obrigarem a ver rabos encelulitados até mais não? Da mesmo forma as mamas das mamãs que amamentam poderiam ser mais resguardadas. É que por cada injustiçada que se comporta como deve ser em público temos outras tantas que não têm noção e que simplesmente fazem de um acto ímpar entre mãe e filho um momento completamente insólito e vulgar!

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

O presépio.

Sou assumidamente nataleira. Gosto da ceia, das reuniões de família, das luzinhas, das decorações, das musiquetas. Oh, o que eu gosto das musiquetas. Um mês antes já eu ando a trautear músicas de Natal, tornando-me (ainda mais) insuportável para quem comigo convive. Gosto do Natal. Foi durante anos, aliás, a minha quadra favorita. Tendo dito isto, assumo que na minha casa não há um único indício da época festiva que se avizinha. Nem árvore, nem presépio, nem luzes, nem coroas. Nada. Entretenho-me muitas vezes a namorar as montras, a magicar na compra deste e daquele adorno. Volto sempre para casa de mãos vazias. Ainda não é a hora.
 
Desde que me conheço por gente em casa havia sempre presépio. E árvore. Verdadeira. Um pinheiro verdadeiro. O meu preferido era o de casa da Avó, com pinhas e Pais-Natais de chocolate. Que me perdoe a tia T., que sempre prezou pelo aprimorado das suas decorações, mas o da Avó era o da Avó. Aquela simplicidade deixou saudades. Tal como a dos presépios, que até banda filarmónica tinham!
Não me recordo - era o que mais me faltava, também! - de todos os presépios, nem de todos os Natais. Vagamente, que seja, consigo rememorar bastantes. Lembro-me de um em particular. Do último presépio que fiz. Desde então nunca mais foi a hora.

O pai tem-se por habilidoso. Que o é! E quando mete uma ideia na cabeça põe mãos à obra. Eu e ele fazíamos o presépio no jardim. A gruta onde o Menino haveria de nascer, com um empedrado cuidado. O entorno campestre, com o musgo, as silvas. Animais espalhados por aqui e por ali. Lembro-me particularmente da escada minúscula que fez com pauzinhos para as galinhas se empoleirarem no andar cimeiro do estábulo. Nunca se ouviu dizer que a Sagrada Família tenha ceado canja ou ovos estrelados, mas no nosso presépio havia galinhas. Um galo madrugador, que fosse!

A essa hora, a uns kms de nós, um choque frontal entre dois veículos mudava para sempre a vida de um grupo de pessoas, entre as quais, muito indiretamente nos viemos a incluir. Uma cara desfeita, uma perna amputada, e outros tantos efeitos colaterais que só viemos a sentir meses depois.
A essa hora tocou o telefone. O presépio ficou como estava. A meio caminho entre a obra-prima (não sei se já disse que o pai é habilidoso) e um simples amontoado de pedras e de verduras. Não me lembro de como foi esse Natal. Não tenho ideia sequer. Eu, que sei de cor a página, a linha, onde li determinada frase, tenho esta tendência - alguns dirão mecanismo de defesa - de esquecer determinados episódios. Arquivado nalguma gaveta da memória está esse Natal. Lembro-me sim do telefonema. Como para sempre me hei-de lembrar daquele outro, ao início da manhã, que me arrancou o chão dos pés e me deixou por muitos anos numa luta interna permamente.

Ouvi dizer a alguém que na sequência de episódios dramáticos, daqueles que exigem que congreguemos todas as forças e energias que nem sabemos ter, o nosso corpo, pelas reacções hormonais e outras desencadeadas pelos picos de stress, desenvolve determinadas patologias. Meses depois, passadas as agruras iniciais do rescaldo do acidente, queixaste-te de uma terrível dor de cabeça. De uma pontada. Pelos antecedentes familiares, pela carga genética que todos transportastes, sabias sem que precisassem de to confirmar que era esse o princípio do fim. E foi. Carregaste durante alguns meses, estoicamente, às costas o peso de toda a tragédia. Foste o pilar inabalável da família. Começou então o teu calvário particular,  a vida que me dizias vezes sem conta "não ser vida".

Olho para as árvores bonitinhas, engalanadas com bolas e fitas, nas montras da cidade. Já por várias vezes estive tentada a comprá-las. Mas volto sempre para casa de mãos vazias. Ainda não é a hora. Ainda não me apetece despedir de ti. Ainda não é este ano que te vou arquivar nalguma gaveta da memória. Já apaguei o número do telemóvel do meu cartão. Um passo de cada vez. Para o ano. Para o ano eu e o pai fazemos um presépio no jardim. Afinal de contas eu adoro o Natal. Só não me apetece estar a construir memórias assentes em pilares de outras tão tristes. Quando o souber como o fazer sem que me doa haveremos de fazer o presépio mais lindo da aldeia.
 

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Tivesse eu esta queda para o Euromilhões e outro galo me cantava!

No único dia em que realmente estava para lá de atrasada, sou menina para ter cometido a proeza de encontrar o único taxista da capital - que digo?, do mundo!! - que para além de não ter o carro ornamentado com símbolos benfiquistas não usa bigode, contorna todas as poças e pocinhas do asfalto e tem o desplante de conduzir à vertiginosa velocidade de 40km/h, respeitando os semáforos e - heresia das heresias! - os peões nas passadeiras. Resultado? Tive a oportunidade d...e testemunhar a queda de um mito e demorei mais um quarto de hora a chegar ao destino do que se tivesse metido pernas ao caminho!
Naturalmente, como a evangelização tem de começar por algum lado, aproveitei a oportunidade para mandar a "tacadinha" do desrespeito sistemático dos seus congéneres pelos ciclistas! Vá senhor, vá e espalhe a palavra que eu já fiz o mesmo por si!

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Memória de elefante.

Refastelada no sofá, frente à lareira, interrompem-me o descanso com um toque constante de campainha. Sim, pessoas, é mesmo por tocardes mais vezes que eu me levanto mais depressa! Não sou surda nem coxa. Mas vou atender a porta quando eu quiser e bem me apetecer!!!
Desgrenhada, abespinhada com tamanha desfaçatez, lá vou eu ver onde há fogo. O que se segue podia ser um relato feito depois de ter andado na borga com o Pires de Lima, mas não: aconteceu mesmo.
 
Fulano: Boa tarde.
Maria: Olá boa tarde. Posso ajudar? Faça favor de dizer ao que vem.
Fulano: [Bla bla bla: coisas lá dele e do meu pai e que a vós vão vos interessam para nada.] A menina não se alembra de mim?
Maria: Não... Desculpe mas assim de repente não estou a ver...
Fulano: Tem a certeza que não se alembra de mim?
Maria: Desculpe, mas não. [Já a dar voltas à moleirinha, a pensar de onde poderia conhecer aquela alma.]
Fulano: Pois, anda lá por fora não é? Já não conhece a gente.
Maria: Desculpe, não me leve a mal, mas de facto não estou mesmo a ver quem o senhor é.
Fulano [indignado e a dar-se a ares de ofendido]: Então, mas... mas... eu andei consigo ao colo!
Maria: Ahhh!!! [Suspiro de alívio] Nesse caso está explicado, senhor! Ainda só passaram 30 anos. Ia lá agora esquecer-me de si e de quando andou comigo ao colo!
 
 
Porquê meu Deus? Porque tentas desta maneira?

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Natal é quando a mana quiser!

Ainda o «tempo estava de ananases»* e já as montras expunham as árvores cheias de bolas e bolinhas. E ao lado a parafernália de presépios. Seguiram-se as ruas e as luzes. O cúmulo foi a mana ligar ontem a perguntar o que quero para presente de Natal. E como eu me mostrasse indecisa, a mana, a mesma que adora surpresas e presentes, diz-me dois meses antes qual é o meu presente. Deve pensar que até lá me esqueço e portanto está assegurado o efeito surpresa.
 
 
* Eça de Queirós

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Olhar com olhos de ver.

«Hoje a M. está triste. Não lhe perguntei o que tem propositadamente. Não porque não me preocupe ou não queira saber, mas porque vi no seus olhos que é algo profundo
 
Conhece-me há apenas meia dúzia de meses. Temos uma relação completamente formal. E sabe-me melhor do que tantas pessoas que fazem parte da minha vida há anos. As pessoas não param de me supreender. Felizmente, nem sempre pela negativa.
 

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Dicionarizar #9

Desgrassa é escrever assim, isso é que é uma desgrassa sem graça nenhuma!
 
 
 

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Narrativa mágica #4

Ítaca

Quando abalares, de ida para Ítaca,
Faz votos por que seja longa a viagem,
Cheia de aventuras, cheia de experiências....
E quanto aos Lestrigões, quanto aos Ciclopes,
O irado Poséidon, não os temas,
Disso não verás nunca no caminho,
Se o teu pensar guardares alto, e uma nobre
Emoção tocar tua mente e corpo.
E nem os Lestrigões, nem os Ciclopes,
Nem o fero Poséidon hás-de ver,
Se dentro d'alma não os transportares,
Se não tos puser a alma à tua frente.


Faz votos por que seja longa a viagem.
As manhãs de verão que sejam muitas
Em que o prazer te invada e a alegria
Ao entrares em portos nunca vistos;
Hás-de parar nas lojas dos fenícios
Para mercar os mais belos artigos:
Ébano, corais, âmbar, madrepérolas,
E sensuais perfumes de todas as sortes,
E quanto houver de aromas deleitosos;
Vai a muitas cidades do Egipto
Aprender e aprender com os doutores.
 
Ítaca guarda sempre em tua mente.
Hás-de lá chegar, é o teu destino.
Mas a viagem, não a apresses nunca.
Melhor será que muitos anos dure
E que já velho aportes à tua ilha
Rico do que ganhaste no caminho
Não esperando de Ítaca riquezas.
 
Ítaca te deu essa bela viagem.
Sem ela não te punhas a caminho.
Não tem, porém, mais nada que te dar.
 
E se a fores achar pobre, não te enganou.
Tão sábio te tornaste, tão experiente,
Que percebes enfim que significam Ítacas.
 
Constantino Kavafis

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Pecado.

Há uma malta toda ela musculada que se exercita no parque cheio de artefactos exercitadeiros aqui ao lado do sítio onde espero a chegada do autocarro. Estão consumidos por uma dúvida atroz, pelo que oiço. Pausa nas séries para conferenciar. Diz um que é pecado sim senhor. Diz o outro que não, que se for boa é até um desperdício. Tenta rematar a conversa com uma sentença definitiva um outro: «É pecado se for a Avó, a Mãe, a Irmã... e acho que a Sobrinha também. Mesmo que seja toda boa!»
[Pergunto-me de onde saem estes espécimes raros que teimam em cruzar o meu caminho.]

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Vistas.

Vejo-o sempre ali. Àquela hora. Ampara-se numa bengala. Os movimentos lentos denunciam a idade de um corpo que parece enferrujado mas também as consequências de algum ataque que terá tido. É cego de um olho. E quando olho para ele tenho vontade de chorar. As pessoas cegas dão-me sempre vontade de chorar - é tão lindo o mundo e eles sem o poderem apreciar com a vista. Costuma ter o olhar fixo no vazio, como se de facto não visse nada e o olho que ainda vê parece-me imensamente mais cego do que o outro, tal é a ausência de vida que ali noto.
Hoje ajudei-o a atravessar a rua. A força com que me deu a mão soou-me a um apelo, como se pedisse para ficar assim, ancorado no meu braço. Agradeceu-me com uma voz sumida. Olhei para ele e tive vontade de chorar. É isto a solidão?
 

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Afectos partilhados

Nunca falo com o L. que não me lembre da minha Avó. É um amor que partilhamos. De diferente intensidade, claro, que Avó para ele só a I., a quem venera. Mas ele, como eu, gostava da Avó, da minha. E sempre que estávamos longe perguntávamo-nos como ela ia e aquele que estivesse mais perto passava as impressões da última visita.
 
Não precisamos de dizer o nome. Vem-me à memória instintivamente. Sempre. Um dos dias mais felizes da sua vida coincidiu com um dos mais tristes da minha. Uma semana após a sua morte, no dia em que completaria 90 anos, o L. casou-se e eu estava lá. Apática ainda, a tentar ser feliz com ele e por ele. E fui. Mas sei que as lágrimas que chorámos quando nos abraçámos não foram só de alegria.
 
Nunca falo com ele que não me lembre dela. Não apenas por este afecto em comum, mas por o que ele tem de genuíno, por o que nele é a terra - a nossa terra -, por completar as minhas ideias e frases com provérbios que nos remetem automaticamente para os bancos de pedra com os velhinhos sentados à soalheira, por nos rirmos tanto e tão desbragadamente quando falamos, por sentirmos de ambos as alegrias e conquistas de cada um.
 
Tenho pena que a Avó já não vá conhecer o teu L., que ainda vem a caminho e já te faz tão feliz. Haveria de ficar feliz por ti. Como eu fiquei. Certa de que serás o melhor pai do mundo.

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

A parvoíce ainda não paga imposto? Devia!

Herdades! Herdades de gajos espertos para me saírem na rifa e logo me vão calhar estes cultivadores de hortas à beira estrada plantadas!

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Dicionarizar #8


E é isto a minha vida: uma luta constante para não sucumbir à vontade de sair porta fora, de dicionário em punho, a evangelizar esta cambada que ousa tratar desta forma grosseira a nobre língua do outro desgraçado que por pouco não morre afogado, coitadinho! Mas como nem só da forma vive o texto, o conteúdo também não deixa nada a desejar: aquela parte em que assume ser um iluminado, capaz de conceber um plano tremendo, não deixa espaço para dúvidas acerca da qualidade da inteligência do tipo.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Episódios da Vida Portuguesa #1

Algures numa carruagem de comboio é chegada a hora da "bucha".

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Bom senso às colheradas como se fosse óleo de fígado de bacalhau!

Eu sei que não entendo nada disto mas quer-me parecer que a mãe daquele rapazito suspeito de ter ateado sete incêndios na Covilhã vir dizer publicamente, numa entrevista em que aparece a fumar, que "põe as mãos no lume por ele" não ajuda muito na defesa do cachopo. Aliás, só vem confirmar a tendência familiar para brincadeiras perigosas com as labaredas!

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Ah, a boa e velha escravatura!

Uma pessoa acorda cedo para fazer uns exercícios que deixem este rabo gelatinoso um nadinha mais consistente, esforça-se por ter juízo à mesa, faz ouvidos moucos aos apelos dos folhados que olham para si a implorar uma dentada... Uma pessoa chega ao escritório e seu querido chefe teve a brilhante ideia de comprar croissants para o pequeno-almoço. Ainda por cima dos bons! Não há condições! Que é feito dos patrões tiranos e velhacos?

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Eu ainda sou do tempo em que...

Um dia destes, sentada na paragem de autocarro, à espera, reparo num dos carros parados na fila de trânsito. Nos encostos da cabeça dos bancos dianteiros estão presos uns elásticos e umas protecções que, sei, servem para encaixar iPads e afins. A primeira ideia que me vem à cabeça é o enjoada que eu, florzinha de estufa, iria ficar, a ver um filme em andamento. Depois, mais a sério, pensei na alienação que isso constitui. Pais à frente, rádio ligado, crianças atrás, fones nos ouvidos, filme no iPad, zero diálogo... [Generalizo, bem sei!]

Lembro-me de fazer viagens inteiras a ler, com a mana a desassossegar-me - prática ainda hoje muito do seu agrado. Lembro-me de fazer viagens inteiras a fingir que éramos locutoras de uma estação de rádio, quando íamos com os tios a Fátima e os kms demoravam mais do que hoje a percorrer, em estradas que pareciam intermináveis. Lembro-me de fazer viagens inteiras com o A. a perguntar "O que é aquilo?", "Para que serve aquilo?", "Porquê, porquê?, com a curiosidade natural dos miúdos que descobrem o mundo e questionam tudo. Lembro-me de fazer viagens inteiras com os primos A. e R. a jogar ao "Quem quer ser Milionário?", a dizer as capitais do mundo inteiro, a discutir geografia à mistura com futebol e cinema. Ainda sou do tempo em que os (meus) pais me ouviam mais e (me) tentavam calar menos para não incomodar, em que me davam livros para me distrair e de caminho me cultivar, em vez de me espetarem um tablet na mão para me sossegarem. Sobre isso, sobre essa emergência das novas tecnologia nas novas vidas desde tenra idade, nomeadamente no ensino, li um destes dias, num blogue, entre outras considerações, as seguintes afirmações do filósofo Alain Finkielkraut:
«Por que razão se deseja suprimir o método clássico, em que o mestre fala? Porque há smartphones? Não precisam de aprender porque têm todo o conhecimento ao alcance da mão? De modo nenhum, pois se não fizerem esforço para ouvir e aprender nada sabem. Não vejo porque razão devemos adaptar o ensino às novas tecnologias. Bem ao contrário, as novas tecnologias obrigam-nos a manter o ensino como sempre foi. Li há pouco que os dirigentes de grandes empresas tecnológicas como Yahoo e Facebook matriculam os seus filhos em escolas totalmente isoladas (da modernidade), sem computadores. Com quadros negros, giz e livros, estantes cheias de livros que se podem manusear. Esses já compreenderam
 
Cada um educará os seus petizes como bem entender e eu não tenho nada a ver com isso, obviamente. Mas graças a Deus eu ainda sou do tempo em que se jogava à macaca na rua, em que a TV era para ver em casa e com horas marcadas, em que a primeira coisa que fazia ao pegar num livro era deliciar-me com o seu incomparável cheiro, em que podia sujar as mãos de terra, em que esfolava os joelhos por cair de bicicleta no monte (isso ainda hoje me acontece), em que podia fazer viagens inteiras a falar (e Deus sabe como eu consigo falar sem parar) em vez de estar agarrada a um zingarelho eletrónico. Para isso bem me basta agora ter crescido e não me livrar de sair à rua sem duas ou três coisas destas atrás de mim.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Armar aos cágados e ficar toda esmurradinha é... bem!

Ontem, já noite, trepei a uma árvore. O porquê agora não interessa para nada. O que importa aqui é que eu tenho vertigens e uma vez encarrapitada na dita cuja vi a vidinha a andar para trás por não saber como descer. Lá me agarrei a um galho com unhas e dentes e a modos que me deixei escorregar por ali abaixo, enquanto a J. se contorcia de riso em vez de me ajudar, fazendo questão de salientar que parecia uma lagartixa. Saí ilesa desta aventura palerma. Quase, vá, que o braci...nho esquerdo ficou sem pele em alguns sítios e por alturas do cotovelo ostenta uma bela de uma queimadura causada pela fricção.
Hoje, não contente com esta coisa de andar a desafiar a morte (sim, sou exagerada!), comi umas lulas que, soube depois, estavam estragadas. Até agora só sinto uma leve azia, mas talvez não me livre de uma purga à maneira.
E pronto, é isto a minha vida: sempre no fio da navalha, a enfrentar o perigo como gente grande.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Disso de se estar sozinho sem se sentir só.

Temos pois que cada caso é um caso e cada um é como cada qual e por aí fora. Todo um chorrilho de frases feitas. Mas no fim, bem, no final de contas, ou bem que estamos sós ou bem que não estamos. E eu acredito que uma pessoa que não sabe estar sozinha nunca pode estar verdadeiramente com alguém nem ser feliz com os outros. É igualmente uma frase feita, mas que me faz sentido. Eu sou, por natureza, muito independente. Gosto do meu espaço. Lido mal com intromissões nos meus assuntos pessoais. Não sou de prestar contas a ninguém. Gosto de pôr e dispor do meu tempo, da minha energia e das minhas coisas como bem me dá na real gana. Sou, por tudo isto, muitas vezes, injusta com os que me rodeiam. Traço barreiras demasiado firmes e não gosto que as pisem de ânimo leve. Confundo, exageramente, preocupações alheias com ingerências. Tento, aos poucos, corrigir isso. E, no entanto, quanto mais o tempo passa mais me dou conta de que esta condição de estar sozinho nada tem a ver com o estar ou sentir-se só. Giro o meu tempo em função das coisas que gosto de fazer e das pessoas com quem gosto de estar. Mas quando não sucede que os astros se alinhem e eu consiga conciliar tudo procuro adaptar-me. Foi assim quando mudei de casa, de cidade, de emprego. Procurei fazer amigos, encaixar-me noutros padrões de vida, sem alterar demasiado os meus. Às vezes as pequenas mudanças são mais significativas do que as grandes alterações. É uma questão de lidar com o que nos acontece e aceitar aquilo que não podemos alterar. Desperdicei demasiados dias da minha vida a ponderar os "e se", a alimentar arrependimentos. O truque é olhar em frente e tentar tirar partido das cartas que nos saem em sorte: nem sempre fazemos jogadas vencedoras, mas vamos a jogo. 
 
Quando digo "estar sozinho" não me refiro a estar solteiro ou a viver sozinho. Refiro-me a passar tempo sozinho, connosco apenas. Estar sozinho é assimm, mal comparado, como ser freelancer. Exige uma trabalheira descomunal. Exige foco. Exige determinação. Ter de acordar para ir trabalhar fora de casa custa. Mas acordar quando se sabe que se pode trabalhar a partir de casa custa muito mais. Ter horários fixos custa mas conseguir resistir à tentação de não ter horários e poder ficar na cama ou a ver TV mais uns minutos custa muito mais. Conviver com alguém custa mas sentir-se bem sem ter de estar acompanhado permanentemente (para algumas pessoas) custa muito mais. Eu sei disso. Vivo sozinha. Durante algum tempo, não muito, temia que os espaços mortos do meu dia me pudessem ser demasiado pesados. Não são. Pela minha natureza individualista. Mas também porque tento manter-me ocupada e sobretudo porque aprendi a gostar de pensar, de me organizar mentalmente, de estar comigo, de desfrutar dos meu espaço e tempo.
 
Quando comecei a andar de bicicleta de uma forma mais assídua custava-me horrores sair de casa sozinha. Porque fazia vento, porque as médias que conseguia eram vergonhosas, porque tinha medo dos carros, porque ir sozinha é um aborrecimento. Ainda por cima porque não tinha (e continuo a não ter) objectivos competitivos ou quaisquer outros demasiado rígidos. Hoje consigo treinar - mesmo em casa, com o TRX ou como seja - a qualquer hora. E sozinha. Aliás, habituei-me de tal forma e estou de tal modo regrada para me focar que há dias em que prefiro até ir andar sozinha. E dou por mim, nos passeios colectivos, em alguns momentos, a ir sozinha também, na minha vidinha, atrás ou à frente do grupo, mas raramente em manada. Gosto do meu espaço, não sei se já tinha dito. Um destes dias aconteceu até ser interpelada por um rapaz que me disse que indo em grupo, aos pares que seja, se torna mais fácil, alguém te dá roda. Ao que respondi: a minha roda sou eu, o meu ritmo sou eu que o marco, o meu esforço sou eu que o giro. Era o que mais me faltava ir sempre pendurada e dependente da vontade, força ou motivação alheia.

Eu não sou uma pessoa do desporto. Nunca fui. E essa faceta da minha vida é, aliás, muito recente. Nem sempre (embora quase sempre) tiro enorme prazer do que estou a fazer. Alguns dias sofro mesmo. Mas mantenho-me focada no "depois", nos resultados que quero ter daqui por algum tempo. No bem que me vou sentir quando esvaziar a cabeça. No gozo que me vai dar da próxima vez já conseguir fazer tudo sem paragens e com melhores tempos. Na sensação de leveza por ter dado tudo e ter cumprido o plano. Sem direito a medalhas nem taças. Apenas com a certeza de que já tive dias horríveis na minha vida e já me angustiei sem saber onde estaria no dia seguinte. Mas se consegui fazer determinadas coisas não há impossíveis. Espero, mas com fé, mesmo, que quando esses dias menos bons voltarem (porque eles voltam sempre) me consiga lembrar disto e da força interior e da determinação que já tive um dia e de que sou capaz de mais coisas do que alguma vez imaginei tanto física quanto psiquicamente.
 
Sim, estou sozinha, mas há muito tempo que não me sentia tão pouco só. Estou com as pessoas quando quero e posso estar, quando elas me dão o prazer da sua companhia e me concedem um pouco do seu tempo e da sua paciência. Apenas porque quero. Porque gosto delas. Não porque tenho medo de estar sozinha ou porque me é mais prático em termos económicos ou porque é socialmente correcto.  E não há absolutamente nada no mundo que pague o gostinho de saber que me valho a mim mesma e que me sou uma óptima companhia. [Ainda que nem sequer saiba mudar uma câmara de ar ou estrelar um ovo. Mas eu cá me desenrasco, não se apoquentem. Se consertei a persiana não há-de ser um furo ou um fillet mignon que me hão-de afligir.]
 
 
 

domingo, 10 de agosto de 2014

A vida acontece.

Os semáforos costumavam estar fechados por causa das obras. As pessoas habituaram-se a que os carros parem para as deixar passar. Os semáforos foram entretanto reactivados. Os carros passam a grande velocidade, fiados de que as pessoas esperarão. A senhora talvez não tenha reparado no sinal vermelho a proibir-lhe a marcha. O condutor talvez tenha feito confiança no sinal verde a dar-lhe passagem. Nem um nem outro travaram a tempo. Ela foi retirada, já cadáver, debaixo do eléctrico. Acaba de morrer uma pessoa na rua da frente.
 
Cai a noite. Um carro pára na rotunda. Lá de dentro sai uma mulher vestida com um sari lindo, azul turquesa. É uma noiva. Esperam-na um grupo de pessoas também com trajes típicos. Abraçam-se. Sorriem. Começam a tocar uns batuques e seguem rua afora, cantando e dançando. Celebra-se o Amor na rua aqui ao lado.
 

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

O Perfume.

Há quem tenhas músicas proibidas. Lugares aonde não se quer voltar. Porque lhes lembra alguém.  Porque foram felizes aí. Porque têm medo de recordar, de voltar ao passado, de avivar memórias.
Eu tenho um perfume que me lembra de ti. Não o teu. O meu. Um que escolheste para mim. Um cuja fórmula me explicaste. Um que dizias ser a minha cara. Um perfume quase raro, peculiar.
Há dias peguei no frasco, abri-o, aspirei fundo e ao que parece, segundo a pessoa que estava comigo, pôs-me «um sorriso bom na cara». Comprei-o. Não porque me lembre de ti. Mas porque me traz à memória aqueles dias bons, felizes. Porque me recorda a pessoa que eu era. Contigo. Hoje, sem ti, faz sentido continuar a usá-lo. Continua a ser raro, peculiar. Como eu!

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Letras.

Algumas pessoas têm a amabilidade de gostar do que escrevo. Algumas sugerem até que aposte mais no blogue ou na respectiva página do Facebook. Há quem considere que deveria tentar publicar alguns escritos e levar mais a sério o facto de ter jeito para esta coisa das letras. Ainda não, filhinhos. Ainda não. Tenho demasiado respeito por quem de facto faz disto vida e o faz em bom. Não tenho a veleidade ou a pretensão de me considerar à altura de tais artistas do verbo, como dizia O outro. 
Ontem estive um par de minutos entretida a reler alguns posts do blogue. O que me ri sozinha, Senhor! Que bem me fez recordar alguns episódios, rever-me em algumas coisas que já aqui disse, surpreender-me com algumas tiradas bem conseguidas. Sim, eu sei que escrevo bem, mas não Tão Bem. E este espaço serve sobretudo para isso: para canalizar energias. Para ter um diário de bordo que um dia me recorde desta jornada. Para voltar cá quando precisar de rir, quando quiser perceber que feridas sararam, quando tiver saudades.
Um dia. Um dia partiremos para outras aventuras. Cada coisa a seu tempo. Tudo em mim leva tempo.
 

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Lá, na santa terrinha...

«Por isso nos deu Deus tão pouca terra para o nascimento, e tantas terras para a sepultura. Para nascer, pouca terra. Para morrer, toda a terra: para nascer, Portugal, para morrer, o mundo.»
Padre António Vieira, Sermão de Santo António, 1670



Há dias em que chego a casa. À casa onde cresci, onde vivi metade da minha vida. À casa a que conheço cada recanto, pese embora o pai teime em mudar permanentemente as paredes de sítio. À casa onde posso andar às escuras sem tropeçar em nada porque sei o lugar de cada objeto. À casa onde os cheiros me são familiares. À casa de onde parece que nunca saí por mais longas que se façam as ausências. À casa que há-se ser sempre a minha, dos meus pais e da mana. À nossa casa.
 
Há dias em que penso nas voltas da vida e aonde elas já me levaram e sinto saudades da casa, espaço físico e da casa, espaço afectivo. Nesses dias apetece-me voltar. Depois... depois reencontro pessoas da minha geração (como a malta entradota gosta de dizer). Ouço-as falar da vida, dos casamentos, dos filhos. Insistem uma e outra vez que de todas as pessoas do nosso ano são as únicas que casaram e têm filhos, com um indisfarçado orgulho por terem assentado arraiais. A avaliar pela insistência nos temas - filhos e casamentos - creio, melhor: sinto, que olham para mim com pena, como se a minha opção de vida me tenha sido imposta e implique solidão. Não passar pelo altar e pelas dores do parto equivale, no sítio de onde venho e para a tribo que me viu nascer, a uma sentença e a um estigma. A esta altura da vida era  suposto já se ter a vida para lá de encaminhada. E encaminhada não significa, para eles, somente ser-se feliz e estar de bem com a vida. Não! Implica ter casa, carro, marido, descendência, emprego, pouso fixo. Aos olhos deles, eu bicho-careto, dada a poucas confianças e completamente dependente da minha liberdade, sou a doidivanas que estoira os parcos rendimentos (consoante a fase da vida em que me encontro) em viagens, bicicletas, livros e bugigangas que não interessam a ninguém.
 
Há dias em que me apetece voltar. Depois reencontro pessoas que cresceram comigo, vejo o que fizeram da vida, o que a vida fez delas; não tomámos rumos melhores nem piores uns do que os outros, apenas distintos. Compreendo, por fim, que o melhor que me poderia ter acontecido foi sair, fugir das amarras do comodismo, dos clichés, do que é suposto fazer-se e do que é esperado que façamos. Sim, há dias em que me apetece tanto voltar. Mas a minha casa são as minhas pessoas. E essas vão comigo aonde eu for, arranjaremos maneira de estar juntos sempre. Para já a minha casa, essa, a de quatro paredes, numa aldeia perdida no mapa, vai continuar a ser minha apenas esporadicamente, quando o coração me pede sossego e paz. Para já a minha casa continua a ser o mundo, todas as pessoas que me estão destinadas e que ainda me falta conhecer e todos os sítios que ainda pisarei nestas andanças da vida.

 
 

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Já ganhei o dia! #4

Há amores que se consubstanciam em Amizade, em cumplicidade, que parecem ter nascido connosco independentemente de conhecermos a pessoa apenas há meia dúzia de anos, meses ou semanas. Um destes dias, numa conversa trivial, a propósito de tudo e de nada, uma amiga disse-me a propósito de outro: «Gosto mesmo do F.. Penso nele quando me vou abaixo.» Poderá havê-las mais lindas, mas não concebo declaração de amor mais sincera.

quinta-feira, 31 de julho de 2014

À C.




A C. está de partida e diz ela que mal lhe vamos sentir a falta. À uma porque vai ali à Ilha e já volta, e por outra porque acha que ninguém lhe sente mesmo a falta. A C. é uma grandessíssima duma parvalhona, é o que é! Se não fosse saberia que eu não perco tempo com quem não me importa para nada e a quem não sinto a falta. E que com as pessoas que realmente importam, como ela, não se perde tempo: enriquece-se a vida.
Eu entendo-a, em parte. Tímida, sossegada na vida dela, completamente autónoma no que toca a escapadelas de bike [que inveja do domínio do mundo bttístico dela, nomeadamente da classe a descer], a C. (acha que) passa despercebida. Está ela redondamente enganada! E é uma pena que com esta idade, contando já anos suficientes para ter juízo, ainda tenha de ser eu a dar-me à maçada de lhe explicar que pessoas como ela fazem sempre falta. Que mais não seja para que a serenidade dela compense a minha parvoeira.
Sabes C., atenta nisto que eu não duro sempre: a vida é demasiado breve para perdermos tempo com insignificâncias e não arriscarmos tudo a tentar ser felizes. E se já antes achava isso, agora tenho a certeza. E a J. [vais adorar a J. quando a conheceres] pode dizer-te isso mesmo. A J. anda toda lixada. Eu até dizia isto com um português daqueles de obrigar a ir ao dicionário, mas o termo é mesmo esse. Não há volta a dar ao texto quando o guião da vida segue por caminhos que jamais pensámos ter de percorrer. Mas, apesar de tudo, aquela pequena grande força da natureza pode, melhor do que ninguém, confirmar-te que em se tendo amigos, daqueles de verdade, a quem podemos contar tudo, mesmo os dias maus podem tornar-se melhores, mesmo as maiores adversidades custam menos a enfrentar, mesmo as lutas solitárias são travadas a dois, a três, a quatro corações. Por isso - e só por isso!, porque sei que vais para Casa, para onde está o teu coração, para seres feliz - é que te perdoo a fuga.
Não é toda a gente que nos consegue arrancar um sorriso, C. São precisamente esses que merecem ser conservados. E eu, eu já escancarei muito a dentuça à tua pala. Por isso é bom que, lá no fundinho, saibas que vamos [olha o M. aqui também nesta frase] sentir a tua falta. Mesmo que vás só ali à Ilha matar saudades e lavar a alma e voltes logo, logo.
Espero que ao menos na tua ausência nos continues a brindar com os relatos das tuas aventuras.
 
 
 
P.S. 1: Perdoa-me todos os silêncios que te interrompi, tu que adoras o sossego.
P.S. 2: Não penses que me esqueci que temos uma prova para fazer em dupla. Continuarei a treinar para estar à altura quando regressares. Ou então dou aí um salto para te visitar entretanto e mostro a essa malta como é que se faz aqui no Continente. [Brincadeirinha!]

quarta-feira, 30 de julho de 2014

Vi eu com estes dois olhinhos! #11

 
Que aparato jeitoso! Não sei se gosto mais da transparência da camisola a deixar entrever as carniças [quem me dera ter um corpaço destes para não precisar de estar com pudores e vestir tudo o que me apetecesse], se me encante antes pelo padrão ultra-fashion das calças, ali a fazer pandan com o caixote de lixo da Nestlé... Deixo ao vosso critério. E por favor não corrais já todas às mesmas lojas em busca do modelito porque, se Deus quiser - e Ele há-de querer - só se fez um exemplar destes!
 
 
NOTA: esta rubrica conta doravante, para nosso e vosso gáudio, com um inestimável colaborador que, à semelhança da Mestre, não perde oportunidade de nos brindar com estes cenários inenarráveis. Ao P.M. o meu grande bem-haja!

terça-feira, 29 de julho de 2014

91

Ontem a minha querida Avozinha fez anos. Noventa e um longos anos que não celebrou connosco, mas em que ela foi celebrada por todos os que a amamos e em quem ela continua a viver. Sei que todos pensámos nela, que lhe sentimos a falta. Estive ali às voltas com um texto, a tentar pôr no papel tudo o que sobrou por dizer. Não atinei com nada. Há dias assim, em que sentimos de mais e conseguimos dizer de menos. Fiquei só a recordá-la. Tudo o que me deu, o que me ensinou, tudo o que me era. Ainda não voltei lá a casa. A mana atreveu-se um dia destes e veio de lá desfeita, com os ecos do silêncio a chocalharem-lhe, ensurdecedores, na alma. Falta a voz dela. Os olhinhos pequeninos. As mãos enrugadas. Falta o colo. Os mimos: os que nos deu e os que lhe dávamos. Falta Ela. E falta-nos uma parte de nós. A mim falta-me o conforto da cumplicidade. A compreensão. O amor incondicional. E a discrição. A confiança de saber que qualquer que fosse a confissão não haveria julgamentos ou penitências: apenas conselhos, tempo e espaço para crescermos. Há poucas pessoas em quem confie cegamente. Tenho cada vez menos pessoas dessas na minha vida. Com a idade tornamo-nos mais selectivos, acumulamos experiência, dissabores, aprendizagens. Em certa medida sei que jamais alguma voltará a ser como Ela. Não dói só ela já não estar. Dói também saber que é irrecuperável esse elo que a unia a cada um de nós. Porque, afinal, não há assim tantas pessoas especiais no mundo. E poucas são as que nos conseguem Ver e que por isso, apesar disso, nos amam incondicionalmente e respeitam a pessoa que somos. 

Vi eu com estes dois olhinhos! #10

 
A sério? Acha mesmo que a sandália completamente escancarada fica bem com essa meia? A sério? Pronto então!

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Brincar aos pobrezinhos na Caparica!

Cenário: Costa da Caparica.
Testemunhas: J. e C. (Obrigada por partilharem esta pérola).
Insólito para ler com sotaque, à tia de Cascais.


Senhor para sua digníssima esposa: Não gosto desta cadeira!
Esposa com ar de desdém para seu marido: Olhe querido!, se não gosta da cadeira, deite-se na areia como os pobres!

É bem começar a semana animado/a, hein?


quinta-feira, 24 de julho de 2014

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Em modo off.

Começou por ser apenas uma vontade de ficar na cama depois do despertador tocar. Depois dei por mim, impaciente, a chamar nomes, mentalmente, às pessoas que ligavam constantemente para o trabalho. A seguir aos passeios longos, com o incremento natural da adrenalina, toda eu era energia. Mas os dias seguintes... ui, os dias seguintes começaram a ser penosos, parece que não recuperava. Até que dei por mim a quase adormecer a meio da tarde, com dores de cabeça tenebrosas. Mas a gota de água foi o nem sequer conseguir ler as croniquetas nos blogues do costume, enfastiada que estava de tudo e só queria paz e sossego. É oficial - e nunca pensei vir a dizer isto -  preciso de férias. Não é "quero" férias. Não é "apetecem-me" férias. É "preciso". Hoje dei por mim verdadeiramente esgotada, física e mentalmente, sem ânimo para quase nada, a arrastar-me de tarefa em tarefa, a tentar focar-me para não fazer nehuma asneira que comprometesse o meu trabalho. Mas tem sido difícil. Rendo-me! Quero férias! Nem que sejam três dias seguidos para dormir sem parar, sem telemóvel, sem email, sem compromissos, sem outro propósito que não seja o de tomar conta de mim.
Setembro, ainda demoras muito a chegar?

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Nem só de gozar com os outros vive a Maria.

Um dia provas o teu próprio veneno. Hoje foi o dia! 
Apanhada a Cherviscar... com a prótese deslocada! 
 
 
 
Créditos da Imagem: Pedro & Joana

domingo, 20 de julho de 2014

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Narrativa mágica #2


Do amor e outos demónios, Gabriel García Márquez

terça-feira, 15 de julho de 2014

Dicionarizar #7

 
Em duas ocasiões distintas esta criatura viu-se aflita para escrever o mesmo vocábulo. Alguém lhe explique, por favor, que já inventaram o termo "desde". 

segunda-feira, 14 de julho de 2014

A CP a arruinar-me a vida amorosa desde 19... e coiso!

Está uma caloraça de derreter os untos (como diria o Eça). Eu, de bochecha corada do afogueamento causado pela tentativa de manter a pose montada numas sapatecas altas, a arrastar duas malongas pesadas. Lá dou com um banquinho à sombra onde me sentar a descansar as ossadas. Abro a minha lancheirinha. Boa!, trouxe um iogurte, esqueceu-se-me a colher. Opto pela bolinha integral com marmelada. Este pão é daqueles horríveis (desculpai-me sudaneses, mas há pão horrível, sim!) que deixa farinha nas bigodaças. Estou nestas lindas figuras quando uma estampa alta, morenaça e para lá de espadaúda se senta ao meu lado, a comer um gelado. Estou esganada e cheia de calor. Não sei se me atire primeiro ao moço se ao Solero. Mas, malgrado os meus sorrisinhos amarelos, bem sei que não há primeira impressão que sobreviva a este cenário de cara vermelhusca e enfarinhada! São quase horas, entro no comboio. Destila-se lá dentro. Acabo de me sentar, fecho os olhos (que bonito era o moço pah) e quando os volto a abrir tenho uma baleia encalhada no banco contíguo. Universo, baby, grita mais alto que não te oiço!!

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Já ganhei o dia! #3

«Mais ninguém conseguia dizer isto desta maneira! Tu devias ser condecorada, c@r@lh#

terça-feira, 8 de julho de 2014

Para o L., com um beijinho de Parabéns.

Roubado ao Professor Girão. Para dedicar ao meu L.V., também ele um ser humano excepcional e um grande professor.
 
 
«Crónicas de Viagem
Sou professor, sim senhor!

-“Olá, Maria! Está tudo bem contigo?”
-“Está Setôr!”
Nem sequer levantou a cabeça, naquela quarta-feira à tarde, em que não há aulas e, na biblioteca da escola só ficam, normalmente, alunos a jogar nos computadores, ou algum mais aflito. A Maria estava sentada junto a uma janela, num canto onde os livros se espalhavam pelas duas mesas seguidas. Contin
uava a escrever sem me olhar. Estas rugas e estes cabelos brancos não são meras opções estéticas, são mesmo por ser velho! Estranho…muito estranho!
Aquele ar de carracinha, alegre nos seus dez anos pequeninos no corpo e enormes na ternura, que nunca se senta sem vir ter comigo à secretária, enquanto tiro os livros da saca, tocando-me, mesmo que não me apeteça aturá-la, não estava ali.
Algo de mal se passava com a minha Maria!
-“Ó rapariga, estás com os azeites?!”
Não levantou os olhos, mas não denotava zanga no olhar.
Uiiiii…estou feito ao bife! Há mer%$ no beco! Pensei eu, estranhando o silêncio.
Sentei-me numa das mesas, incomodando de propósito, olhei-a de cima, ergueu a cabeça, olhou para mim, em silêncio, com aqueles olhitos tão lindos e tão tristes, naquele dia, tão tristes mesmo…!
Incomodou-me mas não me fez perder a calma.
-“Maria, o que estás a fazer?!”
-“Estou, Setôr, a fazer os trabalhos de casa. Já fiz os de Matemática, vou fazer os de Português.”
-“Mas, Maria, os de Português são para sexta-feira e já os tens desde a semana passada!”
-“Pois tenho, Setôr!”
-“Então, porque não os fizeste no fim de semana?!”
A tristeza invadia aquela cabecita e os olhos deixavam-na ver bem demais. Uma criança a sofrer, a minha Maria!
-“Sabe, Setôr, tive de andar a mudar as minhas coisas para a casa da minha mãe…”
Os olhos já não estavam a brilhar por ser criança, brilhavam das lágrimas que tentava conter.
Ai…sorte a minha! Pensava eu, entre a calma para resolver a situação e a revolta por haver crianças a sofrer.
-“Mas, Maria, o que se passou?”
-“Sabe, Setôr, aquelas coisas dos adultos…?!” Aqui já chorava…ela a verter lágrimas, eu a engoli-las.
-“Sim, continua…”
-“ A minha mãe e o meu pai separaram-se!”
-“Maria, faz os trabalhos de Português só para segunda-feira, tens todo o fim de semana”.
-“Mas, o professor vai ralhar-me!”
-“Maria, o professor sou eu…”
Sorriu…
Na aula seguinte, tinha uma dúvida, a Maria. Meteu o dedo no ar e…muito de repente:
-“Avô…”
Calou-se, de imediato!
Eu, disse-lhe:
-“Maria, ok…! A partir de hoje, não me chamas mais Setôr! Chamas-me sempre avô!”
Assim foi.
Hoje, a mãe da Maria veio matriculá-la no sexto ano, cumprimentou-me. Perguntei-lhe de qual dos meus meninos é a mãe.
Respondeu-me, com um sorriso de ternura:
-“Da Maria, a sua neta!”
Ganhei o dia…obrigado Natureza!»


Neste dia especial, um abraço daqueles tão nossos.

sábado, 5 de julho de 2014

Ser mãe, ser mulher, ser pessoa, ser eu.

Eu costumava dizer a propósito de estar desempregada que só que lá está é que sabe o que custa. Maneiras que nem me atrevo sequer a supor que sei o que é ser-se mãe sem nunca o ter sido e muito menos o que é perder um filho sem nunca ter tido nenhum. Só quem lá está é que sabe! Mas não me considero menos mulher por isso e muito menos uma pessoa mais pobre ou menos rica, se preferirem. Há muitas formas de Amor, sendo o maternal apenas um deles, talvez o mais completo, por, como commumente se diz, "se passar a ter o coração fora do peito". Admito a adoração com que as pessoas falam da sua prole e das proezas das suas criancinhas. Eu cresci numa família que quase se pode considerar numerosa e adoro miudagem. Estou numa fase anti-maternal, não penso em ter filhos num futuro imediato mas confesso que já vivi uma época em que gostaria muito de ser mãe. Acontece que a vida dá muitas voltas, leva-nos para caminhos que nunca suspeitámos vir a trilhar e como tal neste momento não é uma das minhas ambições próximas. Em todo o caso, gostaria de sublinhar que, não obstante nunca ter parido ninguém, talvez saiba melhor do que muitas mães o que é ter filhos e ser responsável por outra pessoa que não nós, e viver em função disso e fazer dessa pessoa a nossa prioridade. Não é à toa que se diz que a mãe não é a que pare mas a que cria.
Já por várias vezes tinha pensado nisso e agora, com o caso mediático recentemente ocorrido, novamente me voltou à ideia este ponto. Eu acredito que as pessoas vêm ao mundo para cumprir missões, para se realizarem. Com a morte de alguém a quem queremos profundamente morre uma parte de nós. Sei do que falo. É real. Mas há, para além disso, tudo o que essa pessoa nos deu, o modo como nos marcou e como viverá para sempre em nós. Há para além disso, mais importante ainda, tudo o que nos falta por viver a nós. Sobreviver à morte de um filho deve ser (suponho eu que não tenho filhos) impensável, no mínimo. Mas não deve ser impossível. Tal como eu vejo as coisas, antes de tudo, existimos nós. Nascemos e morremos sozinhos, sempre. Não temos de viver sozinhos, nem só para nós, mas deveremos ser nós o nosso motivo para viver. Talvez esta crueza da minha visão se deva a um facto simples e no entanto tão complexo: levei 32 anos a dizer isto, mas hoje sinto-o e é a verdade com que vivo: eu sou a pessoa mais importante da minha vida. E, em última análise, apesar de todos os Amores que me batem fora do peito, o Amor por mim deve ser sempre o fio que me guie. Oxalá nunca tenha de vir a reler, com o coração desfeito e sem rumo, o que hoje digo e que a alguns parecerá tão leve, mas somos todos seres únicos e insubstituíveis, com uma missão, com uma vida, individuais. E até que se cumpra o nosso destino final acredito que a cada dia devemos abraçar alguém, dar-nos a alguém, receber de alguém. Mas, também, cumprir-nos para além dos outros, por nós e para nós e só então, plenos da grandeza do dom da Vida, sermos em função dos outros, para os outros, porque não somos nunca donos de ninguém.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Dicionarizar #6

Filhos únicos, tal como pessoas únicas, somos todos! Eu não sou a única filha dos meus pais, mas sou, como a minha irmã, uma filha única.

O adjectivo anteposto ou posposto ao nome faz toda a diferença, gente. Um bom truque é pensarem no caso da "rapariga boa" e da "boa rapariga".

domingo, 29 de junho de 2014

Pequenas grandes maravilhas deste "jardim à beira-mar plantado". #5

 
 
Aquelas batatinhas fritas sabem-me às que a mãe faz em casa. E a maionese... bem, a maionese é uma coisa do outro mundo.
 

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Saga de uma vida doméstica muito pouco domesticada. #7

Aqui a brasa esteve a pontos de passar a abrasada. Detectaram uma fuga de gás no prédio. Acabou tudo em bem. Nem outra coisa era de esperar estando nós em Portugal! Foram só três dias a tomar banho em água fria e a comer cereais. Normal. Ainda pensaram resolver logo o problema mas isso seria tipo... eficiente, e a empresa tem uma reputação a manter!
 
 
 

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Narrativa mágica #1



A hora má: o veneno da madrugada, Gabriel García Márquez

terça-feira, 17 de junho de 2014

A selecção somos todos nós.

E aquelas pessoas que mal conhecemos e que mal nos conhecem, mas que fazem muitos filmes à nossa volta, mandam sms e recadinhos e depois quando confrontadas de viva voz respondem que não têm nada para falar connosco? Estou em crer que sofrem mais ou menos da mesma maleita da nossa Selecção Nacional: falta de tom@tes na hora da verdade! E assim, pessoas, assim fica difícil isto andar para a frente porque com a cabeça enfiada na areia temos menos tendência a conseguir ver o que se passa à superfície, onde as coisas de facto acontecem. Por outro lado há a benesse de me poupardes os ouvidos a essas vozinhas histéricas.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Já ganhei o dia! #2

«é só para dizer que não me canso de te ler

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Saga de uma vida doméstica muito pouco domesticada. #6

É só a mim que, ali a meio caminho entre o armário e o fogão, me dá vontade de começar o dia a jogar Mikado no chão da cozinha?
 
 

Vi eu com estes dois olhinhos! #9

Chegados ao topo de uma subidita numa Serra deste nosso Portugalinho, encostamos a bicicleta, sentamo-nos a repor energias e a descansar as vistas, contemplando, lá longe, a praia. De repente (em má hora o fiz!) desvio o olhar. Escuso-me a tecer comentários. Salta, literalmente, à vista!
 

 
 
Primeiramente supus que o protector solar com que besuntei a cara tivesse escorrido para os olhos causando-me lesões graves. Esfreguei-os e, para mal dos meus pecados, ficou tudo ainda mais nítido. Depois pensei que estava a delirar por causa do esforço da subida e afligi-me cuidando que seria falta de oxigenação. Por fim, depois de uma análise cuidada, conclui que quem apanhou demasiado sol na moleirinha não fui eu! Uma legging toda ela transparente, cuequeco todo ao léu... Dizer que adoro seria pouco!
 

terça-feira, 10 de junho de 2014

Vi eu com estes dois olhinhos! #8

A ideia era sair de lá acompanhada, no mínimo, de dois moços garbosos, para me ocupar (deles) durante o fim-de-semana. Não vi nada que me enchesse o olho. Talvez porque, à primeira vista, os cifrões me tenham ferido demasiado a retina.
 
Em compensação maravilhei-me com os prodígios da imaginação lusa...
 
 
 

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Já ganhei o dia! #1

«Eu substituía o Marcelo Rebelo de Sousa por ti aos domingos na TVI

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Vi eu com estes dois olhinhos! #7

Primeiro achei que era uma versão "Madrinha das Marchas" [bairros da capital: estai à vontade para copiar a ideia!] mas analisando melhor trata-se de uma inspiração resgatada à infância, aos saudosos tempos da escolinha.
 
Descubra as diferenças!
 
 
 

 
 
 
Modelo 1: Borracha Maped.
Modelo 2: Maria.
Não, eu não troço só dos outros. Sou a primeira a rir de mim própria porque, graças a Deus, posso não ter bom gosto nem ser fashionista mas sentido de humor é coisa que não me falta!

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Sou tão burrinha. Sou uma pessoa de fé, queria eu dizer.

Maria para o senhor Jorge (motorista do estaminé):
Desculpe incomodar, mas já que vai à oficina levantar o carro teria a amabilidade de perguntar aos senhores se sabem onde posso mandar consertar a minha chave do carro toda XPTO que tem aqui esta pecinha lascada? Tenho medo que deixe de funcionar a qualquer momento porque tal como está pode encravar dentro da ranhura. Agradeço-lhe imenso.
 
Senhor Jorge, todo prestável:
Com certeza, menina Maria. Sem favor. Não custa nada. Fique descansada que já vou ver em algum stand onde pode tratar disso.
 
Eu bem estranhei quando o estafermo do homem regressou, passados apenas dez minutos, todo risota, e me entregou a chave.
 
Menina Maria, não ligue aqui a este espacito que sobrou na pecinha. Acho que assim como está vai funcionar. Levei-a ali ao sapateiro e puseram-lhe uma cola preta, especial, que eles lá têm. Está um brinquinho, diga lá que não?!
 
Porquê Senhor do Céu, porquê? I should have known better! Porque é que eu ainda acredito que o portuguesinho não tem uma tendência inata para adoptar sempre a Lei do Desenrasca???

quarta-feira, 4 de junho de 2014

A malta fashion só me dá alegrias.

Outra que trocou a ordem às próteses! Não admira que depois tenha de usar óculos de sol para disfarçar as nódas negras de andar sempre a cair! Credo, qu'isso, f'lhinha, até deve dar mau andar, carambas!

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Igualdade de género o camandro! Formação e ética, isso sim!

Não sei se sabeis mas a blogsfera de repente tornou-se num campo de batalha como não há memória. A propósito do caso da Carolina (dado a conhecer numa reportagem do Jornal i), os blogueiros e as blogueiras desta vida armaram-se de varapaus e toca de arremeçarem paralelos aos sobrolhos uns dos outros, em episódios de onde nem sempre saem bem vistos dados os fundamentalismos e os radicalismos em que normalmente incorremos quando abordamos assuntos sensíveis como o seja a violência doméstica, por exemplo.
Poupo-vos à minha opinião sobre piropos, homens que matam mulheres e são aplaudidos à porta do Tribunal (pasme-se!) por mulheres, mulheres que maltratam psicologicamente maridos, crianças que são vítimas de negligência parental e outras desgraças semelhantes (isso fica para outro dia). Sobre isso já muito se falou e muito pouco continua a ser feito. E sem ter nada a ver, mas tendo tudo a ver, porque para mim se trata em todos os casos de uma questão de educação e de princípios (ou de falta deles), posso relatar um episódio sui generis, que se resume num par de frases. Homem-estátua actua na rua. Um senhor segue à minha frente com os dois filhos e a esposa. Ao passar pelo artista senhor tropeça na latinha das moedas fazendo-a cair, espalhando o dinheiro. Senhor abranda, impávido e sereno, dirige-se ao Homem-estátua e diz-lhe: Olhe, já estava assim! Toda a gente viu que foi ele que lhe deu um chuto. Inadvertidamente, mas foi. O normal seria baixar-se, apanhar as moedas, pedir desculpas. Em vez disso mentiu chamando ainda mais a atenção para a sua culpabilidade e limitou-se a seguir como se não fosse nada com ele. O filho, parado a assistir àquele disparate, hesitante, baixou-se, apanhou as moedas, colocou a latinha novamente no sítio, com o pai sempre a resmungar. Posto isto: no meu entendimento o respeito pelo próximo começa nas pequenas coisas, no básico. O que é que uma coisa tem a ver com a outra? Não precisamos de pegar em exemplos em que se chegou a extremos (em que houve mortes, violações, maus tratos) para ver que a raiz do problema é a questão da formação. O respeito ensina-se e aprende-se. Ponto.
 
Às vezes, em determinadas situações e contextos, tenho medo como mulher, mas a maioria das vezes tenho vergonha como pessoa!
 

domingo, 1 de junho de 2014

Dizeis-me tanto.

Fomos apresentados no 10.º ano. E embora as primeiras impressões tenham sido boas nada me levaria a crer que aquele seria um caso sério de amor. Ele já cá andava há muito, a encantar gerações bem anteriores à minha. Eu nunca dera por ele. Conhecia-o de nome mas nunca foramos devidamente apresentados, nunca me demorara a conhecê-lo de verdade. Até aquele ano (que me começa a parecer cada vez mais longínquo) de 2005. 10.º ano. Não o meu. O da minha (primeira) turma. "O Largo" deu-me que fazer. A realidade é muito distina das dos miúdos de hoje, diz-lhes pouco. Mas não a mim que cresci a ouvir estórias desses dias duros, de lavouras de sol a sol, de fome e de sacrifícios. Não os vivi, mas ouvi-os relatados uma e outra vez em primeira mão por quem teve de os enfrentar. O conto parecia simples, como ele. Mas simples é coisa que o Manuel da Fonseca não é. Ninguém que nos deixe com um nó na garganta somente com alguns parágrafos pode ser considerado pouco profundo. Análise daqui, interpretação dali. Um tom que me soou familiar. Curiosa - encantada, diria antes - como já antes me sucedera com Gabriel, Lobo, Eça, fui atrás da obra, li-a de uma ponta à outra. Bem, com o Manuel o entusiasmo não chegou a tais "exageros", contentei-me com um par de livros, mas o bichinho ficou cá. Como em Torga, oiço as vozes que são as da minha infância na aldeia, os costumes relatados em palavras que me dizem tanto, as pessoas retratadas como elas são. Num Verão, que por vários motivos foi especial, eu e outro grande entusiasta do Manuel em particular e das leituras em geral - o Dr. J. - desfiámos de fio a pavio, toda a obra. Quando num fim de tarde na praia damos por nós de olhos rasos com as vidas duríssimas das gentes que vivem naquelas páginas sabemos, enfim, que há um tempo certo para as pessoas entrarem nas nossas vidas, que mais vale tarde que nunca e que há amores que vêm para ficar. Voltar a Manuel da Fonseca ou a Torga, para mim, é como voltar a pôr os pés no chão, sentir o pulsar da terra, o amor pela natureza e pelos bichinhos; é deixar os artificialismos de lado, olhar as pessoas nos olhos e ler-lhes as almas; é rememorar nas vidas desgraçadas as estórias de dias difíceis que a Avó contava. Não sei explicar melhor do que isto. Gostava de estar à altura de ambos e dizê-lo como o merecem. Mas quem sou eu comparada com a grandeza de duas pessoas que escrevem como eles o fazem? Não sei explicar. Poderia recorrer aos termos usados pela crítica literária e à teoria da literatura, mas eles dispensam esses formalismos, são maiores do que essas análises, porque o que dizem sinto-o.

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Pequenas grandes maravilhas deste "jardim à beira-mar plantado". #1

Ovos moles de Aveiro.
 
 
Nota: Além da recomendação de não guardar no frio a caixa deveria ainda conter, em letras gigantes, o aviso de que é impossível comer só um e podem até ser viciantes. Assim como as tripas. Ai as tripas...

terça-feira, 27 de maio de 2014

Eu só não consigo estar em todo o lado ao mesmo tempo. Mas sou como o Outro: sei de tudo!

Seja bem-vinda sô dona L. ao restrito número de tolinhos que ao engano ainda vem aqui parar a pensar que por estas bandas se aprende alguma coisa. Para que conste a pessoa que alimenta aqui o estaminé não é necessariamente a mesma que lhe deixa a casa e a vida em fanicos quando calha de passar a visitá-las pessoalmente. Ninguém tem como provar sequer que conhece a autora das perólas aqui debitadas. Em todo o caso, tem você toda a razão, escreve bem a miúda. E deve ser, a avaliar pelos relatos, uma joiinha de moça, um primor de menina. Confirma?
Tome lá um beijinho repenicado. Faço muito gosto em a receber nesta humilde casa. Faça favor de entrar, sente-se confortavelmente, puxe da mantinha para aquecer os tornozelos e desfrute. Por enquanto ainda é de graça. ;-)

segunda-feira, 26 de maio de 2014

O dia em que o M. sonhou por mim.

 
 
 
Eu sou uma "neveraholic" da pior espécie! Tenho uma tendência inata para dizer «Não gosto!, Não me apetece!, Não consigo!» Contrariar essa propensão dá uma trabalheira tremenda, crede-me. Porque embora acabe sempre por alinhar, à primeira olhadela tudo me parece uma canseira! Maneiras que, quando há uns meses, comecei a dar as primeiras voltinhas de bike, as expressões que o desgraçado do companheiro de (des)venturas mais ouvia eram: «Não consigo descer isso!», «Nunca vou conseguir subir aquilo!», «Deus me livre sequer de tentar passar além!». E ele, um Senhor que é um poço de paciência, a insistir, que não, que conseguia, que tentasse e logo se via como corria. E vai daí eu, que também não gosto de fazer as coisas pela metade, descia, subia e passava. Mas como inteligência é coisa que pouco me assiste demorei até entender que sim, que o diacho do homem tinha razão. Deixai-me falar-vos do tal culpado destes incentivos. O M. é um homem como já não se fazem. Um cavalheiro. Boa gente. Só por isso já merece toda a consideração. E depois o M., vistas bem as coisas, é uma das pessoas com um coração mais bondoso e altruísta que conheço. Quem tem uma bicicleta gosta dela como de um animal de estimação, como um filho. Uma bicicleta não se empresta a ninguém a não ser a alguém em quem confiemos cegamente. Ninguém a trata melhor do que nós! O M., sem me conhecer de lado nenhum, sem nunca me ter visto mais gorda (sim F. já fui mais gorda, já todos sabem disso), emprestou-me não uma mas todas as bicicletas dele enquanto eu não tive nenhuma. E foi com elas que o santo homem, embuído de uma infinita paciência, foi insistindo para que eu experimentasse esta descida, aquela subida, aquele drop, aqueloutro single. Finalmente em Janeiro tive a minha própria e começou outro desafio: adaptar-me a um tamanho novo, a um estilo de pedalar diferente. Desanimadinha com as primeiras voltas por ficar a meio de subidas que antes fazia e que agora exigiam um esforço tremendo, segui o conselho dele - sábio como sempre - de trabalhar a cadência. Duas semanas de experiência, a dar umas voltinhas para treinar a tal da cadência, só para tirar as teimas et voilà: eis-me a subir em explosão. Mais uma prova superada. Nada como experimentar para perceber que em calhando até sou capaz. Depois foram as descidas. As pedras já eu as desço tranquilamente, sempre a desfrutar. Mas as descidas inclinadas metem respeito nas entradas. Parece que vamos cair no vazio. Pedi-lhe que fizesse uns trilhos específicos comigo. Mais uma vez foi inexcedível em companheirismo e em aconselhamento. Desbloqueei esse medo com duas ou três passagens por uma certa descida e pronto. Seguiram-me as pontes e o medo dos trilhos estreitos. Depois de ontem percebo agora que o problema que se segue são as curvas. É a próxima meta: trabalhar as curvas para não sair disparada nas descidas. Tudo isto para dizer o quê? Para explicar que se fosse guiar-me apenas pela minha cabeça provavelmente dava umas voltas pelo bairro e ficava-me por aí porque nunca me apetece, nunca quero, nunca vou conseguir. Mas depois madrugo, "forço-me" a ir e o M. "obriga-me" a fazer o resto. Ontem saí das últimas posições da partida de uma prova. Gastei inicialmente demasiada energia a ultrapassar outros participantes e a ganhar lugares. Tinha metido na cabeça que não seria a última. Só não queria ser a última. Portanto lá fui eu, a tentar fazer o melhor que conseguisse. Mas não tenho a experiência necessária: não sei lidar com multidões, não sei ainda gerir a alimentação e a hidratação, não pressiono quem vai à minha frente, não tenho ambição suficiente para me dar aquele empurrão final. Só eu e quem tem vertigens sabe o esforço mental que foi passar as pontes todas sem me dar um fanico. Mas fi-las. E as descidas íngremes também. Não só porque eu achasse sempre que ia conseguir, mas também porque o M. ia ali mesmo ao lado ou atrás sempre a deitar aquele olhar como que a dizer: «Atreve-te sequer a pensar que não consegues e vais ver o que te faço!». No final, ainda sem saber a classificação, estava feliz por ter noção que tinha feito o melhor que consigo e que me divertira muito. Em conversa com amigos eu disse que o mérito de ter sequer terminado era dele porque se tiver um problema mecânico conto com a ajuda dele, porque em alguns estradões me deu roda, porque é outra fruta ter quem nos dê água ou reforços quando os nossos acabam. E isso, parecendo que não, são 50% de uma prova, porque a mente conta tanto ou mais do que o corpo. Ele respondeu que não, que as pernas foram as minhas, que quem desceu fui eu, que quem subiu fui eu. Sim, meu caro, fui, de facto. Mas quem há uns meses esperou por mim quando eu ainda não andava um caracol (ainda não ando, mas pronto) foste tu; quem me obrigou a experimentar quando eu teimava em passar ao lado das coisas  foste tu; quem continuava a puxar quando eu estava KO e prestes a deitar-me a descansar na valeta eras tu. Ontem fui eu que pedalei e dei o meu melhor é verdade. Mas quem acreditou sempre, sobretudo quando eu duvido, foste e és tu e por isso a classificação de ontem (que vale o que vale!) é tua também. Obrigada M. Nunca mais vou dizer nunca!


* Podemos transpor isto para todas as esferas da vida, com outras pessoas e noutras circunstâncias. O essencial mantém-se: a força que nos vem do poder de acreditar é imensa. E nem sempre a fonte somos nós, mas sim os outros, os que sonham por nós os sonhos que achamos impossíveis de alcançar.