Fomos apresentados no 10.º ano. E embora as primeiras impressões tenham sido boas nada me levaria a crer que aquele seria um caso sério de amor. Ele já cá andava há muito, a encantar gerações bem anteriores à minha. Eu nunca dera por ele. Conhecia-o de nome mas nunca foramos devidamente apresentados, nunca me demorara a conhecê-lo de verdade. Até aquele ano (que me começa a parecer cada vez mais longínquo) de 2005. 10.º ano. Não o meu. O da minha (primeira) turma. "O Largo" deu-me que fazer. A realidade é muito distina das dos miúdos de hoje, diz-lhes pouco. Mas não a mim que cresci a ouvir estórias desses dias duros, de lavouras de sol a sol, de fome e de sacrifícios. Não os vivi, mas ouvi-os relatados uma e outra vez em primeira mão por quem teve de os enfrentar. O conto parecia simples, como ele. Mas simples é coisa que o Manuel da Fonseca não é. Ninguém que nos deixe com um nó na garganta somente com alguns parágrafos pode ser considerado pouco profundo. Análise daqui, interpretação dali. Um tom que me soou familiar. Curiosa - encantada, diria antes - como já antes me sucedera com Gabriel, Lobo, Eça, fui atrás da obra, li-a de uma ponta à outra. Bem, com o Manuel o entusiasmo não chegou a tais "exageros", contentei-me com um par de livros, mas o bichinho ficou cá. Como em Torga, oiço as vozes que são as da minha infância na aldeia, os costumes relatados em palavras que me dizem tanto, as pessoas retratadas como elas são. Num Verão, que por vários motivos foi especial, eu e outro grande entusiasta do Manuel em particular e das leituras em geral - o Dr. J. - desfiámos de fio a pavio, toda a obra. Quando num fim de tarde na praia damos por nós de olhos rasos com as vidas duríssimas das gentes que vivem naquelas páginas sabemos, enfim, que há um tempo certo para as pessoas entrarem nas nossas vidas, que mais vale tarde que nunca e que há amores que vêm para ficar. Voltar a Manuel da Fonseca ou a Torga, para mim, é como voltar a pôr os pés no chão, sentir o pulsar da terra, o amor pela natureza e pelos bichinhos; é deixar os artificialismos de lado, olhar as pessoas nos olhos e ler-lhes as almas; é rememorar nas vidas desgraçadas as estórias de dias difíceis que a Avó contava. Não sei explicar melhor do que isto. Gostava de estar à altura de ambos e dizê-lo como o merecem. Mas quem sou eu comparada com a grandeza de duas pessoas que escrevem como eles o fazem? Não sei explicar. Poderia recorrer aos termos usados pela crítica literária e à teoria da literatura, mas eles dispensam esses formalismos, são maiores do que essas análises, porque o que dizem sinto-o.
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