Desgrassa é escrever assim, isso é que é uma desgrassa sem graça nenhuma!
quinta-feira, 23 de outubro de 2014
quarta-feira, 22 de outubro de 2014
Narrativa mágica #4
Ítaca
Quando abalares, de ida para Ítaca,
Faz votos por que seja longa a viagem,
Cheia de aventuras, cheia de experiências....
E quanto aos Lestrigões, quanto aos Ciclopes,
O irado Poséidon, não os temas,
Disso não verás nunca no caminho,
Se o teu pensar guardares alto, e uma nobre
Emoção tocar tua mente e corpo.
E nem os Lestrigões, nem os Ciclopes,
Nem o fero Poséidon hás-de ver,
Se dentro d'alma não os transportares,
Se não tos puser a alma à tua frente.
Quando abalares, de ida para Ítaca,
Faz votos por que seja longa a viagem,
Cheia de aventuras, cheia de experiências....
E quanto aos Lestrigões, quanto aos Ciclopes,
O irado Poséidon, não os temas,
Disso não verás nunca no caminho,
Se o teu pensar guardares alto, e uma nobre
Emoção tocar tua mente e corpo.
E nem os Lestrigões, nem os Ciclopes,
Nem o fero Poséidon hás-de ver,
Se dentro d'alma não os transportares,
Se não tos puser a alma à tua frente.
Faz votos por que seja longa a viagem.
As manhãs de verão que sejam muitas
Em que o prazer te invada e a alegria
Ao entrares em portos nunca vistos;
Hás-de parar nas lojas dos fenícios
Para mercar os mais belos artigos:
Ébano, corais, âmbar, madrepérolas,
E sensuais perfumes de todas as sortes,
E quanto houver de aromas deleitosos;
Vai a muitas cidades do Egipto
Aprender e aprender com os doutores.
As manhãs de verão que sejam muitas
Em que o prazer te invada e a alegria
Ao entrares em portos nunca vistos;
Hás-de parar nas lojas dos fenícios
Para mercar os mais belos artigos:
Ébano, corais, âmbar, madrepérolas,
E sensuais perfumes de todas as sortes,
E quanto houver de aromas deleitosos;
Vai a muitas cidades do Egipto
Aprender e aprender com os doutores.
Ítaca guarda sempre em tua mente.
Hás-de lá chegar, é o teu destino.
Mas a viagem, não a apresses nunca.
Melhor será que muitos anos dure
E que já velho aportes à tua ilha
Rico do que ganhaste no caminho
Não esperando de Ítaca riquezas.
Hás-de lá chegar, é o teu destino.
Mas a viagem, não a apresses nunca.
Melhor será que muitos anos dure
E que já velho aportes à tua ilha
Rico do que ganhaste no caminho
Não esperando de Ítaca riquezas.
Ítaca te deu essa bela viagem.
Sem ela não te punhas a caminho.
Não tem, porém, mais nada que te dar.
Sem ela não te punhas a caminho.
Não tem, porém, mais nada que te dar.
E se a fores achar pobre, não te enganou.
Tão sábio te tornaste, tão experiente,
Que percebes enfim que significam Ítacas.
Tão sábio te tornaste, tão experiente,
Que percebes enfim que significam Ítacas.
Constantino Kavafis
terça-feira, 7 de outubro de 2014
Pecado.
Há uma malta toda ela musculada que se exercita no parque cheio de artefactos exercitadeiros aqui ao lado do sítio onde espero a chegada do autocarro. Estão consumidos por uma dúvida atroz, pelo que oiço. Pausa nas séries para conferenciar. Diz um que é pecado sim senhor. Diz o outro que não, que se for boa é até um desperdício. Tenta rematar a conversa com uma sentença definitiva um outro: «É pecado se for a Avó, a Mãe, a Irmã... e acho que a Sobrinha também. Mesmo que seja toda boa!»
[Pergunto-me de onde saem estes espécimes raros que teimam em cruzar o meu caminho.]
sexta-feira, 3 de outubro de 2014
Vistas.
Vejo-o sempre ali. Àquela hora. Ampara-se numa bengala. Os movimentos lentos denunciam a idade de um corpo que parece enferrujado mas também as consequências de algum ataque que terá tido. É cego de um olho. E quando olho para ele tenho vontade de chorar. As pessoas cegas dão-me sempre vontade de chorar - é tão lindo o mundo e eles sem o poderem apreciar com a vista. Costuma ter o olhar fixo no vazio, como se de facto não visse nada e o olho que ainda vê parece-me imensamente mais cego do que o outro, tal é a ausência de vida que ali noto.
Hoje ajudei-o a atravessar a rua. A força com que me deu a mão soou-me a um apelo, como se pedisse para ficar assim, ancorado no meu braço. Agradeceu-me com uma voz sumida. Olhei para ele e tive vontade de chorar. É isto a solidão?
quinta-feira, 2 de outubro de 2014
Afectos partilhados
Nunca falo com o L. que não me lembre da minha Avó. É um amor que partilhamos. De diferente intensidade, claro, que Avó para ele só a I., a quem venera. Mas ele, como eu, gostava da Avó, da minha. E sempre que estávamos longe perguntávamo-nos como ela ia e aquele que estivesse mais perto passava as impressões da última visita.
Não precisamos de dizer o nome. Vem-me à memória instintivamente. Sempre. Um dos dias mais felizes da sua vida coincidiu com um dos mais tristes da minha. Uma semana após a sua morte, no dia em que completaria 90 anos, o L. casou-se e eu estava lá. Apática ainda, a tentar ser feliz com ele e por ele. E fui. Mas sei que as lágrimas que chorámos quando nos abraçámos não foram só de alegria.
Nunca falo com ele que não me lembre dela. Não apenas por este afecto em comum, mas por o que ele tem de genuíno, por o que nele é a terra - a nossa terra -, por completar as minhas ideias e frases com provérbios que nos remetem automaticamente para os bancos de pedra com os velhinhos sentados à soalheira, por nos rirmos tanto e tão desbragadamente quando falamos, por sentirmos de ambos as alegrias e conquistas de cada um.
Tenho pena que a Avó já não vá conhecer o teu L., que ainda vem a caminho e já te faz tão feliz. Haveria de ficar feliz por ti. Como eu fiquei. Certa de que serás o melhor pai do mundo.
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