sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Vistas.

Vejo-o sempre ali. Àquela hora. Ampara-se numa bengala. Os movimentos lentos denunciam a idade de um corpo que parece enferrujado mas também as consequências de algum ataque que terá tido. É cego de um olho. E quando olho para ele tenho vontade de chorar. As pessoas cegas dão-me sempre vontade de chorar - é tão lindo o mundo e eles sem o poderem apreciar com a vista. Costuma ter o olhar fixo no vazio, como se de facto não visse nada e o olho que ainda vê parece-me imensamente mais cego do que o outro, tal é a ausência de vida que ali noto.
Hoje ajudei-o a atravessar a rua. A força com que me deu a mão soou-me a um apelo, como se pedisse para ficar assim, ancorado no meu braço. Agradeceu-me com uma voz sumida. Olhei para ele e tive vontade de chorar. É isto a solidão?
 

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