terça-feira, 29 de julho de 2014

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Ontem a minha querida Avozinha fez anos. Noventa e um longos anos que não celebrou connosco, mas em que ela foi celebrada por todos os que a amamos e em quem ela continua a viver. Sei que todos pensámos nela, que lhe sentimos a falta. Estive ali às voltas com um texto, a tentar pôr no papel tudo o que sobrou por dizer. Não atinei com nada. Há dias assim, em que sentimos de mais e conseguimos dizer de menos. Fiquei só a recordá-la. Tudo o que me deu, o que me ensinou, tudo o que me era. Ainda não voltei lá a casa. A mana atreveu-se um dia destes e veio de lá desfeita, com os ecos do silêncio a chocalharem-lhe, ensurdecedores, na alma. Falta a voz dela. Os olhinhos pequeninos. As mãos enrugadas. Falta o colo. Os mimos: os que nos deu e os que lhe dávamos. Falta Ela. E falta-nos uma parte de nós. A mim falta-me o conforto da cumplicidade. A compreensão. O amor incondicional. E a discrição. A confiança de saber que qualquer que fosse a confissão não haveria julgamentos ou penitências: apenas conselhos, tempo e espaço para crescermos. Há poucas pessoas em quem confie cegamente. Tenho cada vez menos pessoas dessas na minha vida. Com a idade tornamo-nos mais selectivos, acumulamos experiência, dissabores, aprendizagens. Em certa medida sei que jamais alguma voltará a ser como Ela. Não dói só ela já não estar. Dói também saber que é irrecuperável esse elo que a unia a cada um de nós. Porque, afinal, não há assim tantas pessoas especiais no mundo. E poucas são as que nos conseguem Ver e que por isso, apesar disso, nos amam incondicionalmente e respeitam a pessoa que somos. 

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