terça-feira, 8 de julho de 2014

Para o L., com um beijinho de Parabéns.

Roubado ao Professor Girão. Para dedicar ao meu L.V., também ele um ser humano excepcional e um grande professor.
 
 
«Crónicas de Viagem
Sou professor, sim senhor!

-“Olá, Maria! Está tudo bem contigo?”
-“Está Setôr!”
Nem sequer levantou a cabeça, naquela quarta-feira à tarde, em que não há aulas e, na biblioteca da escola só ficam, normalmente, alunos a jogar nos computadores, ou algum mais aflito. A Maria estava sentada junto a uma janela, num canto onde os livros se espalhavam pelas duas mesas seguidas. Contin
uava a escrever sem me olhar. Estas rugas e estes cabelos brancos não são meras opções estéticas, são mesmo por ser velho! Estranho…muito estranho!
Aquele ar de carracinha, alegre nos seus dez anos pequeninos no corpo e enormes na ternura, que nunca se senta sem vir ter comigo à secretária, enquanto tiro os livros da saca, tocando-me, mesmo que não me apeteça aturá-la, não estava ali.
Algo de mal se passava com a minha Maria!
-“Ó rapariga, estás com os azeites?!”
Não levantou os olhos, mas não denotava zanga no olhar.
Uiiiii…estou feito ao bife! Há mer%$ no beco! Pensei eu, estranhando o silêncio.
Sentei-me numa das mesas, incomodando de propósito, olhei-a de cima, ergueu a cabeça, olhou para mim, em silêncio, com aqueles olhitos tão lindos e tão tristes, naquele dia, tão tristes mesmo…!
Incomodou-me mas não me fez perder a calma.
-“Maria, o que estás a fazer?!”
-“Estou, Setôr, a fazer os trabalhos de casa. Já fiz os de Matemática, vou fazer os de Português.”
-“Mas, Maria, os de Português são para sexta-feira e já os tens desde a semana passada!”
-“Pois tenho, Setôr!”
-“Então, porque não os fizeste no fim de semana?!”
A tristeza invadia aquela cabecita e os olhos deixavam-na ver bem demais. Uma criança a sofrer, a minha Maria!
-“Sabe, Setôr, tive de andar a mudar as minhas coisas para a casa da minha mãe…”
Os olhos já não estavam a brilhar por ser criança, brilhavam das lágrimas que tentava conter.
Ai…sorte a minha! Pensava eu, entre a calma para resolver a situação e a revolta por haver crianças a sofrer.
-“Mas, Maria, o que se passou?”
-“Sabe, Setôr, aquelas coisas dos adultos…?!” Aqui já chorava…ela a verter lágrimas, eu a engoli-las.
-“Sim, continua…”
-“ A minha mãe e o meu pai separaram-se!”
-“Maria, faz os trabalhos de Português só para segunda-feira, tens todo o fim de semana”.
-“Mas, o professor vai ralhar-me!”
-“Maria, o professor sou eu…”
Sorriu…
Na aula seguinte, tinha uma dúvida, a Maria. Meteu o dedo no ar e…muito de repente:
-“Avô…”
Calou-se, de imediato!
Eu, disse-lhe:
-“Maria, ok…! A partir de hoje, não me chamas mais Setôr! Chamas-me sempre avô!”
Assim foi.
Hoje, a mãe da Maria veio matriculá-la no sexto ano, cumprimentou-me. Perguntei-lhe de qual dos meus meninos é a mãe.
Respondeu-me, com um sorriso de ternura:
-“Da Maria, a sua neta!”
Ganhei o dia…obrigado Natureza!»


Neste dia especial, um abraço daqueles tão nossos.

1 comentário:

Anónimo disse...

Muito obrigado... Cada vez mais apurado esse teu sentido de humor. Gostei, gosto e hei de continuar a gostar dessa tua forma, sempre bonita, de encarar a vida. Bj especial