quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Disso de se estar sozinho sem se sentir só.

Temos pois que cada caso é um caso e cada um é como cada qual e por aí fora. Todo um chorrilho de frases feitas. Mas no fim, bem, no final de contas, ou bem que estamos sós ou bem que não estamos. E eu acredito que uma pessoa que não sabe estar sozinha nunca pode estar verdadeiramente com alguém nem ser feliz com os outros. É igualmente uma frase feita, mas que me faz sentido. Eu sou, por natureza, muito independente. Gosto do meu espaço. Lido mal com intromissões nos meus assuntos pessoais. Não sou de prestar contas a ninguém. Gosto de pôr e dispor do meu tempo, da minha energia e das minhas coisas como bem me dá na real gana. Sou, por tudo isto, muitas vezes, injusta com os que me rodeiam. Traço barreiras demasiado firmes e não gosto que as pisem de ânimo leve. Confundo, exageramente, preocupações alheias com ingerências. Tento, aos poucos, corrigir isso. E, no entanto, quanto mais o tempo passa mais me dou conta de que esta condição de estar sozinho nada tem a ver com o estar ou sentir-se só. Giro o meu tempo em função das coisas que gosto de fazer e das pessoas com quem gosto de estar. Mas quando não sucede que os astros se alinhem e eu consiga conciliar tudo procuro adaptar-me. Foi assim quando mudei de casa, de cidade, de emprego. Procurei fazer amigos, encaixar-me noutros padrões de vida, sem alterar demasiado os meus. Às vezes as pequenas mudanças são mais significativas do que as grandes alterações. É uma questão de lidar com o que nos acontece e aceitar aquilo que não podemos alterar. Desperdicei demasiados dias da minha vida a ponderar os "e se", a alimentar arrependimentos. O truque é olhar em frente e tentar tirar partido das cartas que nos saem em sorte: nem sempre fazemos jogadas vencedoras, mas vamos a jogo. 
 
Quando digo "estar sozinho" não me refiro a estar solteiro ou a viver sozinho. Refiro-me a passar tempo sozinho, connosco apenas. Estar sozinho é assimm, mal comparado, como ser freelancer. Exige uma trabalheira descomunal. Exige foco. Exige determinação. Ter de acordar para ir trabalhar fora de casa custa. Mas acordar quando se sabe que se pode trabalhar a partir de casa custa muito mais. Ter horários fixos custa mas conseguir resistir à tentação de não ter horários e poder ficar na cama ou a ver TV mais uns minutos custa muito mais. Conviver com alguém custa mas sentir-se bem sem ter de estar acompanhado permanentemente (para algumas pessoas) custa muito mais. Eu sei disso. Vivo sozinha. Durante algum tempo, não muito, temia que os espaços mortos do meu dia me pudessem ser demasiado pesados. Não são. Pela minha natureza individualista. Mas também porque tento manter-me ocupada e sobretudo porque aprendi a gostar de pensar, de me organizar mentalmente, de estar comigo, de desfrutar dos meu espaço e tempo.
 
Quando comecei a andar de bicicleta de uma forma mais assídua custava-me horrores sair de casa sozinha. Porque fazia vento, porque as médias que conseguia eram vergonhosas, porque tinha medo dos carros, porque ir sozinha é um aborrecimento. Ainda por cima porque não tinha (e continuo a não ter) objectivos competitivos ou quaisquer outros demasiado rígidos. Hoje consigo treinar - mesmo em casa, com o TRX ou como seja - a qualquer hora. E sozinha. Aliás, habituei-me de tal forma e estou de tal modo regrada para me focar que há dias em que prefiro até ir andar sozinha. E dou por mim, nos passeios colectivos, em alguns momentos, a ir sozinha também, na minha vidinha, atrás ou à frente do grupo, mas raramente em manada. Gosto do meu espaço, não sei se já tinha dito. Um destes dias aconteceu até ser interpelada por um rapaz que me disse que indo em grupo, aos pares que seja, se torna mais fácil, alguém te dá roda. Ao que respondi: a minha roda sou eu, o meu ritmo sou eu que o marco, o meu esforço sou eu que o giro. Era o que mais me faltava ir sempre pendurada e dependente da vontade, força ou motivação alheia.

Eu não sou uma pessoa do desporto. Nunca fui. E essa faceta da minha vida é, aliás, muito recente. Nem sempre (embora quase sempre) tiro enorme prazer do que estou a fazer. Alguns dias sofro mesmo. Mas mantenho-me focada no "depois", nos resultados que quero ter daqui por algum tempo. No bem que me vou sentir quando esvaziar a cabeça. No gozo que me vai dar da próxima vez já conseguir fazer tudo sem paragens e com melhores tempos. Na sensação de leveza por ter dado tudo e ter cumprido o plano. Sem direito a medalhas nem taças. Apenas com a certeza de que já tive dias horríveis na minha vida e já me angustiei sem saber onde estaria no dia seguinte. Mas se consegui fazer determinadas coisas não há impossíveis. Espero, mas com fé, mesmo, que quando esses dias menos bons voltarem (porque eles voltam sempre) me consiga lembrar disto e da força interior e da determinação que já tive um dia e de que sou capaz de mais coisas do que alguma vez imaginei tanto física quanto psiquicamente.
 
Sim, estou sozinha, mas há muito tempo que não me sentia tão pouco só. Estou com as pessoas quando quero e posso estar, quando elas me dão o prazer da sua companhia e me concedem um pouco do seu tempo e da sua paciência. Apenas porque quero. Porque gosto delas. Não porque tenho medo de estar sozinha ou porque me é mais prático em termos económicos ou porque é socialmente correcto.  E não há absolutamente nada no mundo que pague o gostinho de saber que me valho a mim mesma e que me sou uma óptima companhia. [Ainda que nem sequer saiba mudar uma câmara de ar ou estrelar um ovo. Mas eu cá me desenrasco, não se apoquentem. Se consertei a persiana não há-de ser um furo ou um fillet mignon que me hão-de afligir.]
 
 
 

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