Eu cresci numa aldeia, com tudo o que isso implica. Mormente as tradições. Lembro-me dos serões em casa da Avó e de ouvir histórias de lobisomens e episódios fantásticos. Lembro-me das tardes em casa da tia Teresa e da tia Gracinda e das lendas que nos contavam. Todas elas eram mulheres nascidas e criadas no campo, com vidas duras e poucos estudos. A sua sabedoria era o sentido, o tal sexto sentido, as emoções, os sonhos proféticos, os sinais dados pelos animais, as carolices de velhinhas calejadas pela vida e pelos acontecimentos insólitos, nem todos eles com explicações facilmente entendidas por nós, tão científicos e armados de Razão.
Ontem a minha mãe disse-me: «Vai morrer gente. A Avó foi [enterrada] com um olho semi-aberto.» Perguntei-lhe o que queria isso dizer. Explicou-me que é «como se estivesse a chamar alguém.» Hoje ligou-me para me dizer que faleceu uma senhora da minha terra.
Há coisas que não vêm nos livros. Passam de geração em geração. Transmitem-se no sangue.