Pela mesma altura em que os teenagers de todó mundo andavam no bom-vai-ele, a deslindar os segredos das complicadas relações humanas e a aventurar-se por trocas de fluídos várias, eu, que não fui criada a beber leite ao almoço e ao jantar como nos filmes americanos, era miúda para não ter noção nenhuma da vida e me limitar à minha existência simples na simplíssima parvónia. No fundo ainda é um pouco assim, porque podem-me ter tirado da aldeia mas não podem tirar a aldeiice de mim. Adiante. Por essa mesma altura em que a mocidade da minha idade, em qualquer outro ponto do globo andava a desbravar mundo, eu vivia feliz e contente, na ignorância. E desfrutava de umas férias como nunca mais hei-de ter na vida! Acordava cedo, esgueirava-me para casa da vizinha, assistíamos juntas a séries como o Dawson, tentando vislumbrar nas voltas e contravoltas das vidas das personagens os nossos próprios destinos. Nós, ainda tão sem planos. À espera apenas que as notas saíssem. A não ter de decidir. A ver passar os dias, que corriam devagar, entre banhos de sol, cerejas comidas directamente da árvore, passeios de bicicleta, leituras pachorrentas, esticados na erva à sombra da árvore grande; as noites eram quentes e longas e nós, espraiados na rua, à porta de casa, devorávamos bolachas e ríamos de parvoíces, das historietas partilhadas. Não precisávamos de mais nada a não ser a certeza de que tínhamos muitos dias de Verão pela frente e a vida toda para nos realizarmos. Não sabíamos - não tínhamos como saber - que de lá para cá ainda nos havíamos de apaixonar, ter filhos, casar, voltar a apaixonar, correr mundo, conhecer pessoas fantásticas, experimentar sensações que congelam o tempo, rir muito por tudo e por nada, chorar de felicidade, chorar de medo, perder empregos, construir carreiras, recomeçar, partir, voltar, despedir-nos mais vezes do que achámos que conseguiríamos, recomeçar, apaixonar. Viver. Fecho os olhos agora e vejo a luz clara desses dias, sinto o calor a queimar a pele, cheira-me à terra rasgada pelo arado e ao restolho em dias de ceifa. A minha tia era tão nova. Os meus pais ainda sem rugas. A avó de costas direitas e os ossos dos dedos ainda não deformados. A mana loira e pequenina.
Sim, éramos ignorantes de tanta coisa e apesar disso, talvez por isso, felizes. Those were the best days of my life (Brian, já foste muito feliz em Portugal, hein?). Tal como todos os outros que se seguiram. Tal como hoje. Porque crescer também é isto: perceber o quê, o quem, o onde que nos fazem felizes. Aceitar o que foi, abraçar o que ainda não é mas já começa a ser. Sem medo, com a certeza de que temos a vida toda para nos realizarmos.
"These Are The Days Of Our Lives", Queen
Sometimes I get to feelin'
I was back in the old days - long ago
When we were kids when we were young
Thing seemed so perfect - you know
The days were endless we were crazy we were young
The sun was always shinin' - we just lived for fun
Sometimes it seems like lately - I just don't know
The rest of my life's been just a show
I was back in the old days - long ago
When we were kids when we were young
Thing seemed so perfect - you know
The days were endless we were crazy we were young
The sun was always shinin' - we just lived for fun
Sometimes it seems like lately - I just don't know
The rest of my life's been just a show