sábado, 8 de junho de 2013

(De)Mérito

"Cada um tem o que merece” é assim, de repente, a máxima que mais urticária me causa. Sobretudo porque é usada maioritariamente, se não exclusivamente, num sentido pejorativo, como quem roga uma praga. Por mais voltas que dê à questão – deve ser um problema meu, certamente – não consigo entender a teoria sobre a qual assenta esta ideia de que as coisas que ocorrem na vida de cada um dependem inteiramente do que cada um faz por merecer. Já nem me alongo no esmiuçar de factos como a origem das doenças ou a morte de um filho. Fico-me mesmo por coisas de menor monta, quase corriqueiras, como seja ver alguém ser promovido sem mérito ou levar com uma valente cagadela de pomba logo pela manhã. Não concebo isso de cada um ter o que merece. Se cada um tivesse o que merece a D. ainda estava connosco. Se cada um tivesse o que merece muita gente tinha verrugas comichosas no rabo de tanto desejar o mal alheio. Se cada um tivesse o que merece de cada vez que nos lançam um olhar invejoso essa pessoa levava logo ali com um gato morto no focinho.
Se cada um tivesse o que merece, quem diabos decidiria o que cada um merece? É que para mim a minha mãe, incansável trabalhadora desde que se conhece como gente, há muito teria direito ao seu merecido descanso e a dias de SPA infindáveis; a minha avó não teria dores e não se iria apagando devagarinho diante dos nossos olhos até que reste apenas uma sombra da pessoa que foi; a J. não estaria em constante vigília médica e os palermas dos milionários investiriam mais em pesquisa farmacêutica; o ALA já tinha um Nobel lá em casa e o Johnny já tinha um Oscar na prateleira; eu saberia falar fluentemente Alemão, Árabe e Mandarim sem esforço algum e já conheceria meio mundo. Acontece que nós não temos só o que merecemos. Às vezes, temos mais do que merecemos: são esses dias que contam, essas as pessoas que nos devem acompanhar, essas as sensações que reservamos para as usar como combustível para aquecer o coração nos dias em que o mundo parece fugir debaixo dos nossos pés. Com sorte isso sucede mais vezes do que aquelas em que temos bastante menos do que aquilo a que achamos que temos direito e que nos atropelam e comprimem o peito de dor sufocada.


 
Só fica por explicar por que cargas d’água é que se cada um tem o que merece o garboso príncipe da Suécia está de casamento marcado sem ser comigo?!


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