sexta-feira, 7 de junho de 2013

Por mais que lambamos as feridas só com tempo elas cicatrizam.

Quando há uns meses atrás, mesmo nas vésperas de Natal (que isto se é para fazer mossa é à séria), me surripiaram pela calada da noite a minha auto-prenda, deixando-me de uma assentada sem passatempo e com a carteira bastante mais leve, houve quem não entendesse, por um lado, o meu abatimento, e, por outro, a doideira que me tinha dado para andar assim a gastar tostões desvairadamente. A resposta para ambas as inquietações alheias era, afinal, bem simples. O futuro! O que estava em causa era o futuro, construído em cada presente. Desde que me comprometera comigo e com o desígnio de treinar não falhei um dia, madrugando, apanhando frio, escorregando, enchendo-me de nódoas negras a cada tentativa de conseguir. Com a paciência e o companheirismo infinitos e incondicionais do B. enchi-me de novos projectos, preenchi os dias de novas cores, novas sensações, novos lugares e novas pessoas. Cada dia era diferente e em cada um deles havia a promessa de um futuro melhor porque o que importava era que amanhã estaria mais forte, mais ágil, mais compenetrada (d)neste vício que se entranha e iria poder acompanhar o P. nos passeios dele, para me mostrar todos o sítios lindos por onde tem andado e que conheço apenas pelas fotos que me traz. E, do nada, numa manhã, tudo isso sumiu. Como "o que não tem remédio, remediado está", relativizemos: era melhor do que ter partido as duas perninhas (já me chega o bracinho torto), que ser notificada para pagar uma batelada de IRS, ou mesmo que O cão (aquele demónio em forma canídea) me tivesse afinfado uma valente mordidela numa nalga (não parecendo sempre desfeia a embalagem e sabe Deus que defeitos já eu tenho que cheguem!). Vistas bem as coisas, podia ganhar dinheiro para outra e voltar a "iniciar-me" nestas andanças. Os dias passaram, a minha vida profissional tomou outro rumo, nunca mais tive oportunidade de voltar ao ritmo anterior. Dizia-me há dias e o P., com aquela candura que só ele tem, que se tivesse sido com ele lhe tinha dado uma coisinha má, e que, dadas as circunstâncias, ainda por cima estando a iniciar-me (nisto das paixões não há fogo como o dos primeiros tempos) fui muito forte seguindo em frente como se nada fosse. Por mais raiva que tivesse da injustiça de que tinha sido alvo, admiti uma quota parte de responsabilidade no acontecido (ninguém me manda ser uma crente inocente) e decidi encerrar o caso, indo à minha vidinha. Um destes dias tirei o equipamento do saco onde o guardara - na altura cheia de rancor contra alguém que nem sei quem é -, para tentar uma voltinha. E, sem que nada o fizesse prever, fiquei ali, pasmada, os olhos rasos de água, as lágrimas de tristeza que não chorei na altura finalmente a desencravarem-se do peito. Sim, o que me roubaram naquele dia foi o Futuro.
 
Depois de dois anos de incertezas e zigue-zagues, aos tropeções nos dias, cheguei a um trabalho completamente improvável, a uma cidade que me dizia tão pouco,   mas onde tenho sido imensamente acarinhada e de que estou a aprender a gostar, um dia após o outro, com as suas particularidades e, sobretudo, pelas oportunidades. Não sei se por gostar mais de cá estar do que esperava, se por ter menos saudades de casa do que imaginei, fui-me deixando ficar. Agora que finalmente voltei a casa senti uma sensação estranha de claustrofobia, como se cada rosto que vou reconhecendo evocasse o passado e se cada rua voltasse a ser palmilhada com a sensação de então, do amanhã incerto. Não há nada de novo ali e a promessa do recomeço, seja ele qual for, é semente que não encontra onde germinar.
 
Há mágoas cuja profundidade só nos é dada conhecer muito tempo depois, mesmo quando já as julgamos cicatrizadas. Quando nos fecham uma porta, quando nos roubam alguma coisa de que gostamos muito, esse momento não se cristaliza e os efeitos não terminam ali, nesse instante, porque só se diluem com o tempo. Os ecos de algumas dores ficam a ressoar nos dias, por muito tempo, até que achemos um amor novo que preencha o lugar deixado por uma paixão antiga, até que encontremos o nosso lugar e deixe de fazer sentido perguntar "Porquê?". Nesse dia, quando o passado "já foi" e deixa de nos perseguir no futuro, aceitamos finalmente as cartas que nos saíram e voltamos a ir a jogo. Posso ainda não estar preparada para esquecer todos os dias que perdi, todos os sítios onde não fui, todas as pessoas com quem a minha vida não se cruzou mas, pelo sim pelo não, não vá esse dia chegar de surpresa e eu ficar apeada, já ando a namorar a próxima.
 

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