Quando esteve doente o Lobo disse que "a morte é uma puta e a uma puta não se dá confiança". Sei o quis dizer com isso mas nunca o tinha sentido, entendido com os sentidos. Depois Tu começas-te a morrer-me, percebi que Te íamos perder e decidi que a doença que te levou, a essa sim, a grandessíssima filha de uma meretriz, não daria confiança. Been there done that. E levou-me muitos anos a curar essa ferida. Por isso, quando morreste recusei-me a deixar que a tristeza que há tanto tempo pressentia me invadisse. Estavam todos destroçados e eu - eu nisso sou uma cópia da mãe, duríssima na queda - não tive mais remédio senão aguentar as pontas, tratar disto e daquilo. E eu sei que disse a todos, para os tranquilizar, para me tranquilizar, que tinhas partido em paz, contas feitas com Deus - se dívidas houvesse, mais do que saldadas com a entrega que tiveste em vida. E isso de facto acalma-me. Compreendo, aceito até (se tal sentimento cabe na perda dos que amamos) o fim de um ciclo: A ordem natural das coisas. Mas sabes, nunca cheguei a tirar aquela foto que sempre te quis tirar, às tuas mãos, Tu que quase as escondias porque se deformavam a cada dia, essas mãos de que sempre me recordarei abertas, à nossa espera, diligentes, carinhosas, postas em prece. Não voltarei a ouvir a Tua voz e hoje, minha querida, hoje a puta da tristeza vence. Porque me dei conta que não vais estar quando chegar a casa, não Te verei mais, não te ouvirei dizer o meu nome. Por fim aquela dor. Profunda. Por fim alguma coisa que estalou no meu peito. Quem diria que também temos diques por dentro.