terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Acabou-se o que era Dulce.*

Dias antes despedi-me dela. Estava sentada no sofá e tinha um ar mais cansado do que o normal. Dei-lhe dois beijos, um abraço e garanti-lhe que dentro de dias lá estaria, na cidade dos estudantes, como sempre, para a visitar. Vivi nesse momento uma sensação que nunca mais experimentei: senti que aquela era uma despedida. Disse à minha mãe que nunca mais a veria e ela respondeu-me apenas que era um disparate pensar assim. Já andávamos nisto há tanto tempo. Era apenas mais um dos infinitos tratamentos. De tantos momentos, tantos anos depois, esse é dos poucos que me continua a deixar com um nó na garganta e que ainda me assusta. Eu sabia. Não sei como. Sabia.

Voltei a falar com ela, por telefone, dias depois. Era o meu aniversário e fez questão de me ligar. A voz a fraquejar. Insistiu com a filha para que me telefonasse, queria dar-me os Parabéns. Sei onde estava, com quem, como estava o céu, quando atendi. É engraçado como às vezes congelamos momentos sem darmos por isso. Prometi-lhe que a veria em breve. Quase cumpri. Morreu na madrugada em que era suposto despedirmo-nos. E nunca chegámos a ver-nos de novo. Eu sabia.

Já passaram muitos anos. Festejei outros tantos aniversários. Já falo dela sem chorar e as saudades já doem menos. Mas, invariavelmente, involuntariamente, lembro-me daquele telefonema, daquela despedida e há algo em  mim que sempre se inquieta com o reacender deste sentimento, deste medo da finitude, da nossa pequenez, da injustiça, do carinho desmedido. Este ano prometi a mim mesma, que quando essa memória chegar - porque sempre chega - vou sorrir. Porque dela só tenho boas recordações.

Tantos anos depois apaguei finalmente o número de telemóvel dela da memória do meu. O desgraçado sofreu um reset involuntário.ia sendo hora..

*Título roubado ao A.L.A.

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